A dor faz parte da minha vida há 18 anos, 24 horas por dia, devido à minha doença autoimune – o lúpus – bem como à minha dor neuropática e à própria fibromialgia que me leva ao limite de todo o meu corpo – é uma sensação de queimaduras e agulhas nas extremidades, tenho dias que nem a roupa consigo aguentar no corpo, tenho uma fraqueza muscular muito grande, sem muitas vezes conseguir pegar num copo para beber água. Fala-se muito pouco da realidade destes doentes. Tive de estruturar toda a minha vida e deixar as duas áreas profissionais das quais era apaixonada: a Medicina Dentária – onde trabalhei 10 anos como assistente – e o trabalho com crianças de idade pré-escolar.
Não importa onde eu tive de parar, em que momento da minha vida me cansei. O que importa é que será sempre possível um novo renascer. São 18 anos a viver condicionada dentro de uma doença autoimune como o lúpus, que não se vê, mas sente-se. Tenho feito ao longo destes anos terapêuticas muito agressivas, como a quimioterapia, e o maior desafio da minha vida é que há 18 anos vivo 24 horas com dor permanente, ou seja, tive que me adaptar hoje ao meu desconforto diário que muitas das vezes me leva ao limite.
Hoje considero-me uma pessoa mais informada sobre a minha doença e tenho um papel ativo na minha patologia, pois conheço muito bem todos os sinais que o meu corpo me dá quando tenho que parar, tenho uma relação muito boa com todos os médicos que me acompanham, que me têm ajudado a poder ter hoje um suporte de adaptação, informação e ajuda na minha forma como vejo a doença. Aprendi:
– A respeitar os sinais do meu corpo;
– Falar pode aliviar minhas dores emocionais;
– O que importa não é o que eu tenho na vida, mas quem eu tenho na vida;
– Não importa até onde eu chegue, mas para onde estou indo;
– Posso ir mais longe depois de pensar que não posso mais;
– O silêncio alivia a minha dor.
É por tudo isto que agradeço todos os dias ao meu mar, pois é com ele que tantas vezes eu grito, choro, desabafo e partilho. É a ele que vou buscar a força que preciso ter todos os dias para poder ultrapassar mais um novo desafio.
O maior desafio
O maior desafio de todos tem sido a depressão que tantas vezes é silenciada. Sei bem descrever o vazio pelo qual tenho passado. Os sacrifícios impostos pela doença agravam-se e desencadeiam sintomas e crises agudas. Tive momentos em que não conseguia pensar, pois as dores permanentes e as elevadas doses de medicamentos foram o caminho que nada me tem ajudado. O simples facto de ter sofrido, de ter tido graves incapacidades físicas e cognitivas associadas à fadiga, dores no corpo todo, vasculites cerebrais, perdas de apetite, tudo isto provocou demasiado stress e obrigou a consciencializar-me para esta nova realidade. Contrariar o meu corpo, para me levantar todos os dias, é por vezes um grande esforço e uma grande exigência física e mental.
No meu caso, o lúpus comprometeu o meu cérebro. Tenho momentos em que tudo muda de um minuto para o outro. O esquecimento, o querer exprimir-me e ficar confusa… por vezes, nem o meu nome consigo pronunciar. Gerir todas estas adversidades não é fácil. Tive de aceitar, acreditar, levar a vida com muita leveza e tentar sempre agarrar-me às conquistas positivas. Sorrir alivia a alma! E tenho muita sorte de ter médicos que entendem bem a complexidade de todo o meu diagnóstico e que me ajudam na forma de adaptação e informação para quem vive comigo.
Os tratamentos
Os tratamentos de quimioterapia foram e são o processo mais doloroso pelo qual tenho passado ao longo destes anos, pois, em surtos ativos, é a estes tratamentos que tenho de recorrer. Este tipo de tratamentos não é só para doentes oncológicos – esse é um desconhecimento de muitas pessoas. Devido à minha doença autoimune, tenho de recorrer a este tipo de tratamento injetável, em meio hospitalar, com uma duração de 4 horas cada tratamento, com ciclos de 6 sessões, de 3 em 3 semanas… Não é nada fácil!
A saúde é o nosso bem mais precioso. A sua ausência transforma por completo a nossa perceção do mundo e a forma como nos relacionamos com os outros. Por isso, digo muitas vezes que amanhã é um novo dia e a palavra esperança é a que tenho sempre gravada no coração. Vivo ao som das ondas e é o mar que me inspira e me embala todos os dias. Senti que ao recomeçar me permitia ter esperança para poder seguir em frente e renovar as minhas esperanças de vida. Uma coisa fui aprendendo ao longo destes anos: não queria ficar trancada na tristeza e na dor, queria alcançar os meus sonhos.
Foi difícil para mim fazer a mudança, sobretudo ir de encontro ao desconhecido, encontrei o meu caminho, decidi que me escolho, não irei mais contra as minhas vontades, vou prosseguir a minha jornada de vida, com altos e baixos, mas feliz por ter dado o primeiro passo para a felicidade. De salientar que na altura do diagnóstico eu nunca tinha ouvido falar do lúpus. A preocupação dos meus médicos era agir rapidamente, para que o meu organismo tivesse resposta ao tratamento, que por si só já era muito invasivo. Sabia sim que o meu corpo estava a ficar muito doente e a rapidez de ação iria, com toda a certeza, fazer a diferença para que me permitisse hoje contar a minha história.
O desenvolvimento da minha força, coragem e paz interior demorou muito tempo e os resultados nem sempre foram imediatos e nem sempre os que mais desejei. Ao longo de todo este processo de aceitação do meu lúpus, teve de partir de mim o que quis mudar, cada ação que fui executando, só assim foi possível, permitiu-me tomar as decisões certas. Hoje, vivo ao som das ondas, vou buscar ao mar a força para ultrapassar todos os obstáculos, o mar traz-me luz e serenidade, é o mar que me inspira e me embala e sobretudo é dentro da água fria do mar que o meu corpo adormece. São estratégias que tenho vindo a desenvolver ao longo deste tempo.
O meu caminho faz-se caminhando. Um dia sei que vou olhar para trás e ver que os degraus que tive de descer e subir foram os mesmos que me levaram à vitória. Sei que nada será como antes do diagnóstico, nada voltará ao que foi. Tive que arranjar formas de renascer e, sobretudo, de me readaptar, criar ferramentas de informação e conhecimento, para que hoje pudesse dar a conhecer a realidade do portador de lúpus.
Aprendi a festejar a vida e todos os dias tento focar-me nas minhas habilidades e não nas minhas incapacidades O meu lúpus tem incidência no sistema nervoso central e a doença está em progressão, porque afeta toda a parte neurológica. Apesar de tudo, sou uma pessoa feliz e tenho um orgulho enorme da minha família e de tudo o que temos conseguido construir. Enquanto puder e conseguir continuarei a fazer ações de sensibilização, porque acredito que só dando a informação as pessoas podem adquirir o conhecimento. Acredito que um doente bem informado tem um papel muito interventivo junto dos médicos e da sua doença. Acredito em mim hoje e sempre! As minhas pequenas conquistas são para mim grandes vitórias.