O ministro da saúde anunciou, em 2022, o alargamento dos programas de rastreios a vários tipos de cancro, como o do pulmão. Qual o ponto de situação destes rastreios-piloto?
Os rastreios são sempre muito importantes, mas no caso do cancro do pulmão são fundamentais. É uma doença com uma mortalidade associada muito alta.

Neste momento, a nível mundial, só existem dois países com programa de rastreio completamente implementado – os Estados Unidos da América e a China -, casos em que foi verificado ser custo-efetivo. O dinheiro que se gasta a rastrear é rentável e benéfico, tendo em conta o maior diagnóstico precoce de cancro do pulmão e o facto se de conseguir salvar vidas.

Existe uma plataforma conjunta a nível europeu, com 20 países, dos quais Portugal faz parte e em que, por intermédio da Direção-Geral da Saúde (DGS), irá participar neste projeto-piloto, onde vão ser definidos todos os critérios de rastreio de cancro do pulmão a nível europeu, de forma uniformizada, equilibrada e igual para todos os países.

Portugal vai participar com dois centros, um no Norte do país e outro em Lisboa. Os participantes portugueses vão fazer parte deste programa de rastreio e vão contribuir para a definição de um programa alargado e uniformizado, a nível europeu.

Quando é que estes rastreios-piloto vão ter início?
Perspetiva-se que seja iniciado até final de 2023.

Quem deve participar neste tipo de rastreios?
Com base em alguns estudos a nível europeu, já com cerca de 10 anos, onde foram estudados 16 mil indivíduos, os critérios preliminarmente definidos são: homens ou mulheres, entre os 50 e os 75 anos; atuais fumadores ou ex-fumadores nos últimos 15 anos, com uma carga tabágica de 30 unidades maço/ano (equivalente a fumar 20 cigarros/dia nos últimos 30 anos).

Com que frequência?
Vai depender do que se vai encontrando. Uma das dificuldades de desenhar um programa de rastreio de cancro do pulmão é precisamente esse, porque a sua periodicidade vai ser definida de acordo com o nódulo, com o seu volume e com algumas características. Em alguns estudos foi feito anualmente, em outro, foi feito de três em três anos. Este projeto-piloto é importante também por esta razão – definirmos em termos de uniformidade de abordagem entre países, porque não é linear.

Qual a importância do diagnóstico precoce no tratamento e no prognóstico do cancro do pulmão?
É fundamental, faz toda a diferença. Estamos a falar em poupar anos e de qualidade de vida. Se conseguirmos diagnosticar esta doença no seu estadio mais precoce, provavelmente poderemos propor um tratamento curativo.

Em caso de doença extensa, quer a nível torácico, quer extra-torácico, já não se pode propor um plano de tratamento curativo. O que vamos fazer é paliar a doença.

Infelizmente, o cenário de paliação ronda os 60% dos casos, ou seja, mais de metade dos doentes ainda chegam num cenário de cancro avançado.

Quais são os sinais e sintomas comuns do cancro do pulmão que tanto os doentes como os seus médicos assistentes devem estar atentos?
Os sinais e os sintomas são vários e infelizmente pouco específicos. É isso que, muitas vezes, leva a um atraso no diagnóstico. Por exemplo: tosse com ou sem expetoração; tosse raiada de sangue; ou tosse persistente que previamente a pessoa não tinha.

Muitas vezes, são tosses que persistem, mas às quais o doente não dá importância, não vai ao médico para investigar. Pensa que está constipado ou com gripe, mas que não passa.

Também podem ocorrer, por exemplo, dor torácica persistente e outros sintomas que não estão diretamente relacionados com a parte respiratória, como tonturas ou visão turva. Contudo, normalmente, estes casos já estão associados a uma doença mais extensa.

Em suma: tosse de novo ou persistente com ou sem expetoração, dor torácica e expetoração raiada de sangue. Todos os sintomas novos do foro respiratório que não passem ao fim de uma semana devem ser investigados.

Além do tão falado tabaco, quais são os principais fatores de risco para o cancro do pulmão?
Obviamente, o tabaco é o mais importante, sendo responsável por 85% dos casos de cancro do pulmão. Mas, por outro lado, cerca de 15% a 20% dos doentes não são fumadores. São pessoas que nunca fumaram.

Recentemente, a comunidade médica tem estado a focar-se muito na questão climatérica, ambiental e na poluição. O ano passado, foi apresentado um estudo interessante e pioneiro no Congresso Europeu de Oncologia, em que, pela primeira vez, foi possível fazer a relação entre a poluição ambiental e uma predisposição para o cancro do pulmão em pessoa geneticamente suscetíveis. Pela primeira vez, comprova-se o facto de a poluição ambiental estar associada ao cancro do pulmão.

Também a exposição à biomassa, ao gás de radão ou ao arsénio, isto é, a metais pesados que possam ser inalados, aumenta o risco de desenvolvimento de cancro do pulmão. São pequenos aspetos que nem sempre são tão divulgados, mas que são importantes.

Como vê a evolução do tratamento do cancro do pulmão ao longo dos anos?
Tem havido uma grande evolução! Há cerca de 5-7 anos, tínhamos poucas opções e eram poucos os fármacos que faziam a diferença. Hoje em dia, o cenário é completamente diferente.

Considero que é importante a divulgação da evolução científica no tratamento do cancro do pulmão, porque as pessoas ainda têm medo, o que é natural. No entanto, já existem mais opções terapêuticas e muito mais eficazes.

Neste momento, quando me questionam, na consulta, costumo explicar que existem três grupos de medicamentos à nossa disposição.

A quimioterapia, que é convencional e nossa conhecida há muitos anos; a imunoterapia, amplamente utilizada no cancro do pulmão; a uma terceira classe de medicamentos, a denominada terapêutica-alvo, habitualmente utilizada em doentes com determinadas mutações genéticas. Este medicamento vai especificamente à célula tumoral, não tem tantos efeitos secundários e não atinge as células saudáveis.

Além disso, é oral, o que ajuda muito em termos de qualidade de vida. Tomar um comprimido em casa como tratamento para o cancro do pulmão era algo impensável há alguns anos.

E continuamos em fase de crescimento! Neste momento, existem bastantes medicamentos, em termos de pipeline de desenvolvimento, que vão entrar no nosso arsenal terapêutico diário nos próximos anos, alguns em formulação oral, outros endovenosa.

Estamos a subir, gradualmente, a escada e, cumulativamente, estamos a conseguir aumentar o tempo de vida dos doentes, com qualidade. Isso é o que não podemos deixar de oferecer.

Quais são os principais desafios sentidos pelos profissionais de saúde na abordagem ao doente com cancro do pulmão?
Os desafios são transversais, mas, especificamente para estes doentes, estão relacionados com o facto de ser necessário que se faça uma abordagem multidisciplinar, isto é, estamos dependentes da Pneumologia, da Oncologia, da Radiologia, da Medicina Nuclear, da Anatomia Patológica, da RadioOncologia, da Cirurgia, fazendo com que todos esses serviços acabem por ficar muito sobrecarregados. Conseguir que tudo isto flua ‘como uma orquestra’ nem sempre é simples. Mas tem sido possível e a abordagem ao doente tem vindo a ser melhorada.

De acordo com o que tem vindo a referir, perspetiva um futuro muito melhor no que respeita ao cancro do pulmão, correto?
Eu diria que o futuro é risonho! Tendo em conta a investigação que tem sido desenvolvida e que ainda está a acontecer, tenho uma visão otimista de que, em alguns anos, vamos conseguir tratar o cancro do pulmão como uma doença crónica e diminuir a sua mortalidade. Sem dúvida, o futuro é risonho!

SM

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