Mas falar de cuidados de saúde em Portugal não é só falar do SNS. É falar dos setores privado e social, do envolvimento das universidades, das comunidades e das empresas tecnológicas, para bem da criação e implementação de novas dinâmicas e tecnologias que ajudem a responder mais eficazmente a desafios prementes como as largas listas de espera, a sobrelotação hospitalar, a escassez e recursos humanos e materiais ou o envelhecimento da população.
Ao estar diretamente envolvido no desenvolvimento de um projeto pioneiro de Telemonitorização de Doentes de Risco implementado atualmente no Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira, compreendi bem a importância deste tipo de sinergias. Percebi que é possível obter dados que servem para monitorizar e acompanhar continuamente a trajetória de risco dos pacientes, criar gráficos de tendências, notificações e alertas que permitem atuar em tempo útil em qualquer situação de desvio da trajetória e, com isso, detetar precocemente sinais de agravamento do estado de saúde dos doentes. Tudo isto é feito de forma remota, a partir de qualquer local (seja hospital, clínica, lar ou residência), e em tempo real.
Mais do que isso, compreendi que, ao longo do tempo, é possível vir a recolher e a analisar grandes volumes de dados reais vindos de várias fontes (parâmetros vitais medidos via dispositivos/monitores, registos médicos, histórico de exames e tratamentos realizados, dados demográficos, etc.), que possibilitam uma análise preditiva – que se baseia em usar dados históricos para prever eventos futuros – capaz de fornecer informações estatísticas valiosas (e antecipatórias) que melhoram a eficiência, reduzem os custos e garantem um melhor acesso aos cuidados de saúde.
Esta abordagem mais holística e preventiva apresenta várias etapas (definição de objetivos, recolha e preparação dos dados, análise exploratória, construção, validação, avaliação e implementação do modelo), que desembocam em inúmeros benefícios. Facilita a previsão das necessidades reais existentes, favorece uma melhor alocação de recursos, faz a identificação de padrões de saúde e fatores de risco que facilitam a intervenção precoce e a prevenção de doenças ou surtos epidémicos, permite a personalização do tratamento com base em informação confiável e adaptada às características únicas de cada paciente, previne as readmissões hospitalares, aumenta a eficácia e reduz etapas e custos desnecessários na prestação dos cuidados de saúde.
Estas previsões, que resultam de um processo aperfeiçoado continuamente, abrem caminho a um conhecimento global mais amplo, que inclui programas de rastreamento e literacia, bem como investigação académica e científica. Novas possibilidades que permitirão criar novos paradigmas de abordagem, prevenção e cura para todo o tipo de enfermidades, criação de artigos científicos, desenvolvimento de novos protótipos médicos inovadores ou colaboração com a comunidade académica e empresarial. Um novo patamar de possibilidades para a melhoria da prática clínica, do fluxo e aproveitamento da informação disponível e do desenvolvimento do setor da saúde em Portugal e no mundo.
Numa altura em que os dados genómicos começam a ser tão fáceis de obter como uma simples análise de sangue, software, algoritmia, machine learning e inteligência artificial são aliados poderosos para impulsionar a emergente medicina de precisão. Imagine, por exemplo, poder identificar os fatores genéticos que o tornam mais suscetível a determinadas doenças? Iria poder adotar medidas preventivas personalizadas, saber quais os medicamentos mais eficazes, ajustar o seu estilo de vida e realizar exames de rastreamento específicos com mais frequência.
Talvez este futuro não esteja assim tão distante. Com a tecnologia certa e uma abordagem cuidadosa em relação à privacidade dos dados e às questões éticas, esse futuro pode começar a desenhar-se hoje mesmo.
Artigo deCarlos Nogueira, Head of Health, Sports & Science naQuidgest
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