Este foi o tema que me deram e é com uma ideia clara que respondo: a relação entre o público e o privado será aquela que as partes quiserem e deve otimizar o interesse dos cidadãos. Pode parecer uma afirmação simples, mas convido a aprofundá-la.
Dizer que a relação será o que as partes quiserem recorda que uma solução eficaz e duradoura tem de ser equilibrada e corresponder à motivação dos intervenientes. Assim, o Estado deve contratar o que entende e em termos que defendam o interesse público e os privados devem aportar qualidade e eficiência. As regras devem ser transparentes e a relação madura ou então não perdurará.
Veja-se o que aconteceu com as PPP, com excelente desempenho financeiro para o erário público e muito boa resposta aos cidadãos, que praticamente acabaram. Diz a sabedoria popular que “mataram a galinha dos ovos de ouro” e os cidadãos é que sofrem. Note-se a questão das convenções e perceber-se-á que a ERS tem toda a razão quando alerta “para a importância de os preços fixados serem eficientes, no sentido de se promover, simultaneamente: i) aplicação eficiente dos recursos públicos, ii) atratividade suficiente para, tendo em conta as condições de mercado, os operadores privados quererem aderir às convenções, assim promovendo o acesso à saúde…” Quando tal não acontece, fica em causa a continuidade da prestação de cuidados de saúde e diagnósticos à generalidade da população.
Por outro lado, a relação deve otimizar o interesse do cidadão. Ao Estado compete cumprir o artigo 64º da Constituição, pugnar pela mais correta afetação dos dinheiros públicos e dar satisfação às necessidades dos portugueses em termos de acesso. Com o SNS, pois claro, um SNS mais capitalizado e eficiente e com todos aqueles que possam contribuir para robustecer o sistema e dar mais saúde aos portugueses.
Num excelente artigo recente[1], a Presidente do Conselho de Finanças Públicas reconhece a dimensão e o papel dos operadores privados e defende que “deverá ser clarificada e bem regulada a articulação entre o SNS e os demais setores, social e privado, com vista ao aproveitamento da capacidade instalada e das sinergias existentes…”
Quando há tantas necessidades nos cuidados de saúde primários, quando as listas de espera cirúrgicas e para consultas de especialidade hospitalar tanto penalizam e angustiam os portugueses e há uma rede de prestadores privados cada vez mais capilarizada, organizada e com cobertura nacional, afigura-se que seria lógico que todos pudéssemos tirar proveito do investimento realizado e das competências estabelecidas.
E repare-se que, mesmo quando não há relação entre o público e o privado, ainda assim o SNS beneficia da atividade dos privados. Em Portugal não temos dados globais sobre as poupanças geradas pelos seguros de saúde, mas em Espanha a Fundação IDIS concluiu que um cidadão coberto por um seguro de saúde poupa em média 599€ aos sistema de saúde quando faz uma utilização mista e até 1.674€ se recorre apenas aos prestadores privados.
Em conclusão: o debate público vs privados cada vez faz menos sentido e só tem criado problemas. Pergunte-se aos cidadãos, com as associações de doentes e, se necessário, recolha-se a informação de peritos estrangeiros. Não tenhamos medo de nenhum papão e encontraremos a melhor forma de garantir acesso dos portugueses aos cuidados de saúde.
[1] Cabral, Nazaré Costa “Serviço Nacional de Saúde: breves notas sobre problemas diagnosticados e algumas terapias” in Vozes pela Saúde, Oficina do Livro, ISCTE