A Psiquiatria tem vivenciado uma reviravolta na sua relação com os psicadélicos. Estas substâncias, antes marginalizadas pela ciência, são agora alvo da atenção de investigadores, médicos e do público em geral.

Substâncias como a ketamina estão a ser usadas com resultados promissores em tratamentos psiquiátricos. A psilocibina e o MDMA têm demonstrado resultados notáveis em estudos para o tratamento de depressão resistente e perturbação de stress pós-traumático, entre outros.

As redes sociais estão repletas de referências a tratamentos com psicadélicos e o público, entusiasmado, busca cada vez mais estas alternativas. Como médico que se dedica a essa área vejo com gratificação a crescente sensibilização para este tema inovador e revolucionário. No entanto, preocupa-me as promessas exageradas e as práticas inadequadas que emergem desta onda de entusiasmo, que ainda carece de bastante maturidade.

Para ilustrar, relato o caso da minha paciente, Sónia, que foi submetida à terapia assistida por ketamina e obteve resultados bastante positivos na sua longa luta contra uma depressão. Infelizmente os efeitos antidepressivos não se mantiveram a longo prazo, o que é uma possibilidade em qualquer tratamento, inclusive na terapia assistida por ketamina. Tentei discutir opções complementares, incluindo a incorporação de técnicas convencionais, para maximizar os efeitos alcançados.

No entanto a Sónia optou por procurar terapia com outros psicadélicos, mais especificamente com psilocibina, motivada por leituras que andava a fazer na internet que prometiam de uma cura rápida e permanente. Mencionou ter assistido a um documentário muito claro sobre o assunto na Netflix, que me recomendou vivamente, e rejeitou considerar outras abordagens.

Decidiu participar voluntariamente num retiro de fim de semana que oferecia “viagens com psilocibina”, uma vez que medicamente este tratamento ainda não está disponível em Portugal. Submeteu-se a uma administração intensa dessa substância psicadélica e infelizmente regressou dessa experiência com o seu inconsciente em ebulição, com muita dificuldade em lidar com as perceções às quais teve acesso. Na consulta seguinte à sua experiência apresentava um quadro de pânico, ansiedade generalizada e insónia quase total. Acabou por ter de ser medicada para controlo destes sintomas.

O nosso inconsciente desempenha um papel crucial na manutenção do nosso bem-estar psicológico. Pode parecer contraintuitivo, mas a capacidade de reprimir certas memórias ou sentimentos do inconsciente tem uma função fundamental na regulação emocional e na saúde mental.

Freud ensinou que a repressão cumpre uma função de autopreservação. Permite-nos funcionar diariamente, mesmo sofrendo experiências negativas pelo caminho da vida. E como não vivemos num mundo utópico ou ideal, este mecanismo serve um propósito importante numa realidade hostil como a sociedade moderna pode ser.

Claro que, em determinados contextos, reprimir não é uma solução viável. No caso de um trauma severo, por exemplo, a repressão simplesmente adia a necessidade de lidar com a fonte da dor, que, em algum momento, precisará ser confrontada.

Porém, como no caso da Sónia, liberar o conteúdo traumático reprimido num evento de fim de semana por meio de um potente agente psicadélico sem uma preparação rigorosa, e sem a capacidade de integrar as experiências que emergem, torna difícil defender a utilidade desta abordagem em comparação com o seu potencial perigo. Infelizmente casos como o da Sónia não aparecem em documentários da Netflix.

O mesmo é verdade para o Luís, outro paciente que acompanho e que desenvolveu sintomas psicóticos após ter feito uso de psicadélicos, simplesmente porque ouviu um podcast encorajador na internet e decidiu experimentar. Atualmente encontra-se a realizar terapêutica injetável antipsicótica, depois ter sido internado no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

Embora seja inevitável a existência de situações adversas em qualquer área da medicina, como os casos relatados, permaneço convicto do valor transformador que os psicadélicos podem trazer à Psiquiatria. Contudo quando estamos a lidar com substâncias tão potentes como a classe dos psicadélicos, o cuidado deve ser bem medido.

A crença na capacidade revolucionária destas substâncias, que nutro há muitos anos, foi constantemente reforçada através da progressão do estudo e formações neste campo e mais recentemente, da valiosa experiência de trabalhar diretamente com pacientes sobre estados psicadélicos e ver os resultados notáveis na primeira pessoa. No entanto, é importante sublinhar que, face aos potenciais riscos, não posso promover este campo de forma leviana ou com promessas irreais que apelam de forma irresponsável a quem procura uma esperança para os seus problemas. É especialmente importante ter isto presente quando observarmos a crescente popularidade dos psicadélicos no público em geral.

Induzir a mente a um estado psicadélico, ou seja, torná-la “manifesta”, é uma situação complexa e delicada. Esta prática requer uma preparação minuciosa do estado psicológico, um contexto favorável, experiência e treino para amparar as (por vezes, violentas) manifestações interiores e uma subsequente integração bem eficaz para restabelecer o estado psíquico integrado. É um processo que mexe de maneira profunda e potencialmente transformadora de algo sagrado no ser humano: a sua mente. Este é o grande potencial dos psicadélicos, e também o seu grande perigo.

Tenho convicção no valor intrínseco desta área. Os psicadélicos são substâncias com efeitos idiossincráticos, e almejo ver este campo prosperar em prol da libertação do sofrimento mental e humano. Mas este avanço deve ser feito de forma adequada, sobre a pena de regressar à escuridão e ao obscurantismo proibitório dos anos 60 e 70 em relação a essas substâncias. Por isso, sustento que há uma necessidade imperativa de estabelecer um equilíbrio entre a promessa e a prudência quando se trata da aplicação de psicadélicos na saúde mental.

(*) Nomes e detalhes foram alterados para preservar o sigilo dos pacientes

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