Cerca de 29% da despesa em saúde é financiada diretamente pelas famílias portuguesas no momento da prestação de cuidados de saúde. A conclusão é do “Observatório da Despesa em Saúde: Despesas diretas das famílias no sistema de saúde português”, da autoria dos economistas da saúde Eduardo Costa e Pedro Pita Barros.

O estudo é realizado no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE.

Os pagamentos diretos das famílias portuguesas, que em 2021 ascenderam a sete mil milhões de euros, correspondem quase exclusivamente a pagamentos a prestadores privados e a aquisição de medicamentos nas farmácias comunitárias.

O desvio face à média europeia é evidente ao longo dos anos e desde 2000 que o peso dos pagamentos diretos em Portugal é superior ao registado na maioria dos países da Europa. Além disso, em anos mais recentes, verifica-se uma divergência da tendência em Portugal face aos restantes países europeus.

O elevado peso dos pagamentos diretos em Portugal levanta, segundo os investigadores, “sérias preocupações” ao nível de proteção financeira conferida pelo sistema de saúde português sugerindo a existência de uma “significativa desproteção financeira no momento de acesso aos cuidados de saúde em Portugal”, avançam em comunicado.

Os investigadores indicam que o “setor público tem responsabilidade em parte desses pagamentos, por os originar”. Exemplo disso, é uma receita médica comparticipada pelo SNS que implica um copagamento do utente num prestador privado, a farmácia.

Quando analisado o valor médio gasto pelas famílias nas várias categorias, verifica-se que o valor das taxas moderadoras – quer nos cuidados de saúde primários quer nos hospitalares – é “bastante reduzido”, tendo em consideração o total de despesas reportadas.

De acordo com o estudo, a grande maioria dos pagamentos diretos das famílias é realizada em duas grandes categorias: prestadores de ambulatório e farmácias. No primeiro caso representam 38% da despesa das famílias face aos 31% verificados no ano 2000 e nas farmácias trata-se de copagamentos de medicamentos comparticipados pelo SNS e pagamentos de medicamentos ou outros produtos não comparticipados.

Neste campo, os pagamentos na farmácia, em 2000, representavam o principal destino dos pagamentos diretos das famílias (32%,) registando-se em 2020 um decréscimo para 24%.

Os economistas concluíram também que os hospitais privados têm vindo a ganhar relevância no total de pagamentos diretos, aumentando a sua quota de 10% para 15% entre 2000 e 2020. “Isto sinaliza uma maior procura por cuidados de saúde hospitalares no setor privado, uma maior diferenciação dos próprios prestadores, bem como uma maior concentração de médicos em hospitais privados, ao invés dos tradicionais consultórios particulares.”

Desagregando as despesas reportadas em saúde por nível de rendimento do agregado familiar, verifica-se que os pagamentos diretos em saúde, em 2015, correspondiam em média a cerca de 6% do rendimento total líquido do agregado familiar.

Os pagamentos diretos referentes a medicamentos e produtos farmacêuticos constituem a principal fonte de despesa em saúde das famílias (63%), seguindo-se a despesa em cuidados de ambulatório (28%), aquisição de aparelhos e material terapêutico (7%) e serviços hospitalares (2%).

No entanto, alertam, são também reportadas outras despesas, como por exemplo transportes. Estas não são contabilizadas como despesa em saúde na contabilidade oficial, “razão pela qual a estimativa do custo direto suportado pelas famílias surge sempre inferior à real”.

Quanto ao peso das despesas em saúde no total do rendimento verifica-se que diminui com a melhoria das condições socioeconómicas. “Nas famílias mais desfavorecidas, as despesas em saúde representam mais de 10% do seu rendimento anual líquido, com uma despesa de 75% para compra de medicamentos, o que revela um esforço significativo para aquisição de medicamentos e um fraco recurso a prestadores privados.”

Nas famílias mais favorecidas, “as despesas em saúde representam menos de 4%, com as despesas de recurso a cuidados ambulatórios ou hospitalares a serem cerca de 36% dos pagamentos em saúde, face a 17% das famílias menos favorecidas”. Nestas últimas, o principal gasto é associado a serviços de Medicina Dentária que representam quase metade destas despesas em ambulatório.

Para os investigadores, a “pressão elevada sobre as famílias de menores rendimentos é uma potencial barreira de acesso aos cuidados de saúde”. Para evitar estes constrangimentos, defendem a redução dos pagamentos diretos das famílias na comparticipação de medicamentos e no acesso a cuidados de ambulatório, em particular saúde oral para famílias com mais dificuldades económicas”.

Texto: Maria João Garcia

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