“Todas semanas estamos a receber mais casos de mulheres jovens com cancro da mama, entre os 26 e os 45 anos, inclusive em estadios avançados. É preocupante.” O desabafo é de Madalena Nogueira, coordenadora da Unidade e especialista em Ginecologia-Obstetrícia. A situação tem vindo a piorar sobretudo desde o ano passado. “Em 2022, tivemos mais de 200 casos, o que para uma unidade de periferia é um número significativo. E face ao aumento que já sentimos nestes primeiros meses de 2023, vamos ter com certeza ter mais um ano complicado.”

Mais que números, são histórias bem reais de vida de mulheres que estão no início ou no auge da carreira profissional e que foram, inclusive, mães há pouco tempo. “O impacto psicológico, e também social, é muito forte”, realça a responsável. Na maioria dos casos são tumores agressivos, nomeadamente os triplos negativos e os HER2+, com maior probabilidade metastização para os gânglios axilares, numa fase inicial, ou até de órgãos à distância. “São cancros da mama muito graves, obrigam-nos a optar mais vezes pela mastectomia.”

Se tivessem chegado mais cedo ao médico, haveria a possibilidade de evitar a retirada da mama e aumentar a taxa de sobrevida. “Com a pandemia, muitas mulheres deixaram de ter acesso facilitado a cuidados de saúde e, por vezes, a porta de entrada é mesmo a urgência.” Mas a covid-19 não é a principal razão para o diagnóstico tardio, na opinião da médica. “O aumento do cancro da mama em jovens já se fazia sentir antes; a questão passa sobretudo por não estarem incluídas no rastreio que, atualmente, está recomendado a partir dos 50 anos.”

Continuando: “Uma mulher jovem não pensa imediatamente num cancro e pode não procurar ajuda. Ou então quando começa com sintomas é já numa fase tardia; até então faziam a sua vida normalmente, estando assintomática.”

Perante esta realidade, Madalena Nogueira defende que se deveria alertar para o cancro da mama em idades mais jovens, promovendo-se também o rastreio a partir dos 45 anos.

Oncologia Médica. Qualidade é “tratamento individualizado”

Criada em 1998, a Unidade de Senologia é composta por uma equipa multidisciplinar que integra atualmente três ginecologistas, um cirurgião geral, três imagiologistas, quatro anátomo-patologistas, quatro oncologistas médicos, dois radioterapeutas, um cirurgião plástico, duas enfermeiras senólogas e uma secretária clínica. “Esta é a equipa nuclear, mas contamos com o apoio de outras áreas sempre que é necessário quer clínicas quer do Serviço Social.” Dispõem ainda do apoio de uma psicóloga dedicada à área da Oncologia, a quem referenciam logo na primeira consulta. Certificada, já em 2022, pela Breast Centres Network, a Unidade dá resposta a toda a população da zona de influência do HDS, mas também da região Oeste e até de Lisboa.

Sandra Bento, oncologista médica está na Unidade desde o início. Perante o aumento de casos em jovens, diz que, mais que nunca, “o desafio é tentar individualizar o tratamento”. Para isso é fundamental a discussão do plano terapêutico em reunião multidisciplinar, o que, este ano, face ao aumento de diagnósticos, pode acontecer duas vezes por semana. Um outro desafio é, diz, “a otimização dos timings das diferentes intervenções, assegurando que são cumpridos os prazos recomendados”.

Os desafios são imensos, mas tudo se consegue, como diz, sobretudo porque ninguém se sente sozinho. “Hoje em dia é mandatória uma abordagem multidisciplinar, só assim se consegue tratar da melhor forma as doentes. O facto de existir uma equipa dedicada, faz com que haja formação, experiência e know-how diferenciados.” Um outro segredo para que a qualidade dos cuidados seja uma constante é a relação de proximidade. “Somos uma unidade de porta aberta, em que há facilidade de contacto das utentes com os profissionais, nomeadamente, para realização de consultas não programadas.”

Realização de ecografia mamária

Transmitir segurança e minimizar o impacto dos exames

Os tratamentos são essenciais, mas primeiramente há todo um trabalho de diagnóstico. Isabel Sapeira, radiologista, acredita que, como em todas as doenças, “o diagnóstico precoce tem um papel fundamental, pois permite tratar de forma menos agressiva e mutilante, com repercussões no aumento da sobrevida e na qualidade de vida”. Não sendo possível prevenir, cabe-lhe a si e aos colegas dar resposta com o melhor equipamento. “A diferenciação tecnológica do Serviço de Imagiologia e a aquisição de competências na área de Senologia permitiram sermos hoje uma Unidade de referência”, garante.

E, como profissionais de saúde, aproveitam também o momento da realização das técnicas para dar apoio aos utentes, numa fase tão difícil. “A carga psicológica associada ao diagnóstico de cancro da mama tem um impacto relevante não só na vida da mulher como em todo o seu agregado familiar. São explicados detalhadamente todos os procedimentos, de forma a transmitir segurança e a minimizar o impacto negativo associado ao stresse, realçando sempre a importância do diagnóstico e seguimento.”

Como acrescenta Rosário Vicente, radio-oncologista, “a interiorização da doença tem consequências emocionais com interferência na autoestima, sentimentos de medo, incerteza e ou insegurança”. É assim importante uma relação de proximidade.

Cirurgia à mama

Anatomia Patológica. Ir ao encontro da melhor terapêutica

Mais nos bastidores está Isabel Andrade, anatomo-patologista. Para a Anatomia Patológica, os principais desafios prendem-se com a realização de respostas de qualidade e em tempo útil, formuladas com base em recomendações de boas práticas nacionais e internacionais. “No cancro da mama, como na patologia oncológica em geral, a investigação científica e clínica, trouxe novas abordagens e terapêuticas, que permitem uma Medicina personalizada e de precisão, com a avaliação de biomardores e seleção de amostras para o uso de plataformas genómicas.” Um novo mundo que nem sempre é fácil, mas que permite aos doentes, segundo a especialista, terem acesso a tratamentos mais específicos para a sua condição clínica.

Pesquisa do gânglio-sentinela na Anatomia Patológica

“Antes de serenfermeira, sou um ser humano”

Um “grande pilar”, segundo Madalena Nogueira, são os enfermeiros. Maria João Cabral é especializada em Senologia e gosta do contacto muito próximo com os doentes. “Ser enfermeira senóloga é um trabalho gratificante, mas um constante desafio: perguntas frequentes, sensação de estar perdido, medo, desconfiança e incerteza perante o desconhecido…” Os cuidados não são só voltados para os cuidados físicos. “Tem de haver compreensão da fragilidade do utente, promovendo-se suporte emocional e informativo, assegurando o conforto físico e espiritual deste e da sua família.”

Apesar de defender esta forma de estar, admite que “não é nada fácil”. “Quando dispo a farda de enfermeira, o trabalho vem muitas vezes comigo no pensamento, pois antes de ser enfermeira, sou um ser humano.” Contudo, não trocaria esta função. “Aprendo o valor de ter saúde, vida, a importância da família e amigos, a lidar com a morte, com as perdas, mas também com as vitórias e as conquistas.”

Outro “pilar”, segundo a coordenadora da Unidade, é a secretária Isabel Cristina. “No dia a dia ainda é difícil à maioria dos utentes confiar no elemento administrativo, mas a partir do momento em que a equipa médica faz a referência do meu nome, começa-se a iniciar uma relação de confiança entre mim e a utente que me passa a ver como um elemento da equipa.” O mais importante, diz, é “saber que podem ligar, enviar um e-mail ,vir falar pessoalmente ou, por vezes, dar um abraço”.

Futuro: Mais recursos humanos para os muitos pedidos

Quem também colabora na recuperação dos doentes são as terapeutas ocupacionais do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação. A elaboração e implementação de um programa de reabilitação funcional e prevenção do linfedema do membro superior para mulheres submetidas a cirurgia da mama por carcinoma fica a seu cargo.

A intervenção terapêutica tem início na fase de internamento, 24 a 48 horas após a cirurgia e todos os dias de internamento, sem se esquecer o ensino de exercícios. “O principal desafio é conseguir que a utente esteja disponível para receber esta informação, calma e colaborante, que tome consciência da sua importância no processo de reabilitação e motivá-la para prosseguir com os exercícios para ter qualidade de vida”, afirma a terapeuta Cristina Santos.

Para Madalena Nogueira, o trabalho desenvolvido desde 1998, tem sido “essencial” para as muitas mulheres e para os poucos homens que têm que lidar um dia com o diagnóstico de cancro da mama. E espera que no futuro este trabalho se mantenha. “De preferência, com mais recursos humanos, porque somos poucos.” Entre a esperança de ter mais apoio e o pragmatismo face à realidade, reconhece que não vai ser fácil. “Esta área não é muito atrativa, nomeadamente para ginecologistas. Exige muitas horas de dedicação, além do horário, e hoje em dia, apesar do grande profissionalismo dos mais novos, nem todos aceitam essa dedicação plena.”

O futuro dirá o que vai acontecer, mas com o aumento de casos de cancro da mama em idades jovens, não se pode “baixar os braços”. “Vamos continuar a lutar por mais recursos, por acompanhar a evolução tecnológica e terapêutica. Os doentes precisam de nós.”

SO

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