Chamo-me Isabel Alexandra Marques e há 19 anos foi-me diagnosticada uma doença autoimune: lúpus sistémico disseminado no sistema nervoso central. Na época, foi-me dito que seria uma doença que me iria acompanhar para toda a minha vida, pelo que tive de fazer aprendizagens permanentes até aos dias de hoje.

Ninguém está preparado para receber esta notícia. Para começar, tive de me manter mais estabilizada, para depois perceber a doença e sobretudo aceitar a mesma, de modo a que o caminho não fosse tão solitário. Questionei-me muitas vezes: “e agora?”. Passei por um estado de choque por ter saído da minha zona de conforto, fiquei assustada, algo que faz parte do processo.

Ao longo destes anos tem sido mais fácil para mim poder ajudar e informar outras pessoas como eu de que tudo é possível, basta querermos. Não podemos ficar agarrados à nossa doença. Dentro de cada um de nós iremos encontrar as respostas para prosseguir o nosso caminho, mas acredito sempre que, como membro ativo de uma sociedade, devemos informar para que as pessoas possam adquirir o conhecimento, pois esta é uma doença muito invisível, mas ainda assim limitadora e repleta de preconceito, pois as pessoas só acreditam no que veem.

Há muitos dias em que não me consigo levantar da cama ou pegar num copo para beber água devido a toda a fraqueza muscular. Por isso, acredito que todas as minhas pequenas conquistas diárias são grandes vitórias. O caminho é longo, mas a vitória é certa.

Hoje em dia fala-se muito em doenças autoimunes. mas muitas vezes não se explica o conceito das mesmas. “Doenças autoimunes” ocorrem quando o sistema imunológico ataca o próprio corpo. Sendo assim, o meu sistema imunológico – responsável por defender o organismo contra bactérias e vírus invasores, por exemplo – passa a acreditar que as proteínas de células de diferentes partes do corpo são invasoras e envia-me células de defesa para isolá-las e atacá-las, destruindo estruturas e causando diferentes sintomas. É como se o meu sistema imunológico deixasse de operar ou reconhecer a forma correta.

De modo geral, as doenças autoimunes são mais comuns em pacientes do sexo feminino e não é possível indicar uma causa específica para as mesmas, sendo que existem atualmente estudos variados a ser conduzidos para abordar especificamente as causas de determinadas doenças consideradas autoimunes.

Os sintomas das doenças autoimunes variam de acordo com o tipo e grau de avanço da doença que o paciente tem. Além disso, dependem da idade e estilo de vida do paciente. Assim, os sintomas de doenças autoimunes podem variar bastante, tais como cansaço, perda ou aumento súbitos de peso, mal-estar, dores forte. No meu caso, vivo com dor crónica há 19 anos e por isso a dor faz parte da minha rotina. Aprendi a viver com o desconforto e ao longo dos anos fui arranjando estratégias de adaptação afim de poder minimizar as dores.

É muito importante procurar ajuda médica sempre que algum sintoma for persistente e possa afetar a nossa qualidade de vida. As doenças autoimunes são a ponta de um iceberg, são complexas e as suas abordagens requerem sempre uma avaliação individual e multidisciplinar dos médicos que nos acompanham para a vida.

Os tratamentos das doenças autoimunes também varia de acordo com a doença que o paciente possui e com a sua progressão. No meu caso, o maior desafio é recorrer com muita frequência à quimioterapia, para poder minimizar os sintomas e para que se possa inibir a ação do sistema imunológico. Devido a esta terapêutica tenho um sistema imunológico mais enfraquecido, o que causa infeções por vírus e bactérias com mais frequência.

Além disso, a toma de vários medicamentos em simultâneo promove muitas vezes uma reação exagerada do meu organismo, porque são muitos anos a fazer terapêuticas agressivas, mas mesmo assim é muito importante para mim seguir um estilo de vida saudável. Acima de tudo tenho como grande objetivo manter uma boa saúde mental com terapias de relaxamento com o intuito de minimizar e suportar as situações mais agressivas dos medicamentos e das crises.

No meu caso especifico o órgão mais afetado é o sistema nervoso central, o que tem sido uma aprendizagem permanente. Tento levar a vida dentro do meu limite, não ter perspectivas futuras a longo prazo, mas sim viver o dia a dia da forma mais natural que consigo, nunca deixando de respeitar os limites do meu corpo. Tenho apanhado grandes sustos, mas encaro todos os dias a doença como um novo desafio e nunca esquecendo que quero realizar os meus sonhos e batalho todos os dias para que isso aconteça.

Apesar de tudo, sou feliz e tenho aprendido muito com a minha doença. Não tinha ninguém com o mesmo problema na família, embora os fatores ambientais possam contribuir. Passados 19 anos sei que o fator emocional foi o fio condutor para que tudo se pudesse desencadear, pois perdi 3 membros diretos da família e o meu corpo estava muito fragilizado. Ainda assim tive muita sorte de receber um diagnóstico precoce, e nesses casos é fundamental agir rapidamente.

O lúpus é cercado de mistério. Todos os dias temos surpresas e é fundamental estarmos bem atentos aos sinais do nosso corpo e sobretudo conhecer os nossos limites, pois a evolução da doença é imprevisível. Muitas vezes senti a minha vida em suspenso, não é fácil gerir esta situação e é complexo ter sido obrigada a reestruturar toda a minha vida, quer pessoal, quer profissional. Nada nos prepara para uma mudança tão radical, sobretudo quando é imposta por uma doença.

Hoje, encaro tudo isto com normalidade porque faz parte da minha vida e vejo que nada acontece por acaso. Sou muito agradecida por todos os ensinamentos que o lúpus me tem dado. Fez-me acreditar que nada na vida deve ser adiado.

Resolvi escrever sobre este tema pois considero que, cada vez mais, é nas ações de sensibilização sobre esta patologia que continuarei a minha jornada de vida para que possa ajudar tantas outras pessoas, permitindo-se serem felizes e focando-se nas suas capacidades e não nas limitações .

Ao longo do tempo permiti-me tomar as decisões certas. Tive de mergulhar dentro do meu interior e o silêncio levou-me ao meu encontro. Foi sem dúvida revitalizador, encontrei a paz e muitas respostas sobre os meus processos de tratamentos que teria de realizar. De uma coisa eu tinha a certeza: o meu processo de renascer teria que começar já, porque o bem mais precioso que tenho é a vida. É no meu silêncio e junto ao mar que encontro a serenidade e energia de que tanto necessito, mas tive de me afastar de tudo e de todos os que me rodeavam durante 7 anos de um longo processo de aceitação.

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