O trabalho origina nas suas formas contemporâneas um inequívoco aumento das patologias mentais. Burn-out ou patologias de sobrecarga relacionadas com perturbações do sono e trabalho por turnos ou agressões no exercício das suas funções, patologias do assédio ou do mobbing, os quadros depressivos e a associação a ideação suicidária, são formas bem conhecidas.

Os sistemas de organização do trabalho têm vivido em constante mutação e o conceito de pressão produtiva passou a estender-se a todas as áreas de actividade e, quando ligadas a aspectos materiais concretos, como prémios ou avaliação de desempenho ou promoções, acentuam transtornos psicológicos variáveis. O isolamento, um certo novo tipo de autismo, a solidão e a desconfiança inter-pessoal, levam a que no trabalho – no exercício profissional – se identifiquem crescentemente dimensões como a perda de solidariedade, de lealdade, de confiança.

E nem vou entrar pela questão de qualquer análise ergonómica do trabalho…O que me parece é que quem trabalha, espera e deseja que, do lado da sua entidade empregadora (pública, social ou privada) sejam proporcionadas condições adequadas àquela prestação e asseguradas as respostas correspondentes – remuneração justa e atempada, recompensa simbólica ou afectiva e reconhecimento efectivo que permita a sublimação do esforço e da dedicação.

Em qualquer trabalho há, ainda que o possa não parecer, sofrimento físico e psíquico. O importante é que possa não se traduzir em desgraça pessoal, mas possa estruturar uma dimensão de realização individual gratificante. Ora é neste cenário que os médicos do trabalho se devem situar e ajustar num País que tem leis e entidades próprias, como a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) com competências inspectivas próprias.

Em Portugal há muitos casos de horas extraordinárias não remuneradas, uma prática irregular e que poderia ou deveria trazer maior atenção por parte das entidades patronais e oficiais. De facto, é possível que possam ser solicitadas aos colaboradores horas extras quando e sempre que exista um aumento pontual de trabalho. E se é de carácter excepcional, então não justificaria a contratação de novos funcionários.

É importante referir que a legislação nacional aponta para que as horas extras não devam ser atribuídas para compensar uma procura crescente e continuada de trabalho. As horas extra devem ser usadas, única e exclusivamente, para casos específicos e provisórios.

Ora o que se passa no SNS é pública e descaradamente assumir que a prestação de um serviço público constitucionalmente previsto – o SNS universal –, ao invés de promover a contratação de novos e necessários colaboradores, aos trabalhadores já contratados impõe carga de horas adicionais.

E repare-se que estão legalmente previstos limites de horas extraordinárias por ano e por colaborador: 80 horas por ano para trabalhadores a tempo parciais, 175 horas por ano para micro e pequenas empresas, 150 horas por ano para médias e grandes empresas e 200 horas por ano através de convenções colectivas de trabalho.

Vimos como com as greves médicas os cidadãos perceberam duas ou três coisas importantes:

– Os médicos são os únicos que têm de 40 horas semanais um horário base que nem sempre respeita os tempos de descanso, enquanto toda a restante Administração Pública tem um horário base de 35 horas, o que não se compreende;

– Ficou bem comprovado que os médicos foram a classe profissional que mais poder de compra perdeu nos últimos 10 anos em Portugal;

– E que das negociações dos Sindicatos Médicos com o Governo salta uma certeza, a de que o Ministério da Saúde apresenta uma proposta inacreditável de base, o acréscimo do limite de horas extraordinárias imposto das actuais 150 para 300 horas por ano!

Em boa verdade, é tempo de os Portugueses compreenderem que trabalhamos mais anos do que os outros profissionais da saúde, já nem falando em horas! E de quem de direito atentar que no SNS os médicos encontram no seu trabalho sofrimento e duvidosa legalidade…

*O autor escreve de acordo com o A.A.O

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