Diogo Silva, médico especialista em Saúde Pública e consultor em inovação e liderança em saúde, defende que “a universalização do modelo Unidades Locais de Saúde (ULS) a todo o país foi repentina” e que “o sucesso depende da forma como este novo modelo é recebido, integrado e posto em prática pelas equipas de saúde”. O médico afirma que é fundamental envolver os profissionais de saúde nesta transição. “A verdade é que já foram testadas várias modalidades de organização, com melhores ou piores resultados, sendo que, em muitos casos, ficou tudo na mesma, pois a gestão e motivação das pessoas é tão ou mais importante do que o modelo organizacional”.
Para o cofundador da nobox, um projeto que pretende capacitar os profissionais de saúde sobre competências de liderança e inovação, este novo modelo fez surgir nos profissionais de saúde “muitas dúvidas e preocupações a que ninguém procurou ainda responder”.
Entre os maiores receios, Diogo Silva alerta, por exemplo, para “o perigo de centralizar na gestão e nas lideranças o processo de fusão, sem uma devida coordenação entre os restantes níveis de organização das instituições, o que pode resultar na perda de oportunidades para uma abordagem integrada do paciente”. Além disso, “as vantagens organizacionais podem vir a concentrar-se exclusivamente em aspetos não clínicos, deixando de lado a inovação clínica, nomeadamente através de cuidados ao doente interprofissionais e colaborativos”. Outra das preocupações “é a possível diferença das condições contratuais entre profissionais, abrangendo tanto as novas, quanto as já existentes”.
Para o consultor, o sucesso da transição está no envolvimento dos profissionais de saúde na mudança. Sem esta mobilização, os objetivos definidos para a integração dos cuidados não serão possíveis e ficarão, muito provavelmente, no papel. “É crítico mobilizar todos os profissionais para a adoção e implementação deste novo modelo, informando acerca da mudança pretendida e das suas razões, e identificando precocemente as suas preocupações e receios, pois só assim poderão os profissionais desenvolver projetos e iniciativas inovadoras que integrem os cuidados de saúde primários e hospitalares e que realmente centrem a atividade clínica no doente”, continua. Além disso, menciona ainda que “o envolvimento dos doentes neste processo é também central — eles fazem, na realidade, parte da equipa, são os protagonistas —, pelo que têm necessariamente de fazer parte deste processo”.
Em relação à gestão das organizações e equipas, Diogo Silva menciona que, “para que a mudança cumpra os seus objetivos, devem-se inovar não só as metodologias relacionadas com a organização do trabalho, hierarquias e gestão de recursos humanos, mas também criar mecanismos internos que auxiliem a inovação clínica e a integração de cuidados no contexto deste novo modelo organizacional, ao mesmo tempo que se capacitam as pessoas com as competências e ferramentas exigidas por esta nova organização”.
Além disso, reforça que “não vai ser possível cumprir o propósito das ULS mantendo os mesmos perfis e preferências de gestão que perpetuem os erros e vícios do passado, e isso é transversal a qualquer área das instituições de saúde. Quem trabalha no terreno identifica claramente esta questão como uma das mais prioritárias, muitas vezes geradora de insatisfação no trabalho”.
Por último, o médico de Saúde Pública explica que “a grande transformação só acontece quando todas as equipas e profissionais aceitam e absorvem o novo paradigma no seu dia a dia”. Para isso, “é fundamental identificar as pequenas vitórias e boas práticas e promover a sua propagação pela instituição, otimizando os processos ao longo do tempo”.
MJG
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