Mudam-se os governos, passam-se os anos, mas o cenário mantém-se: as aberturas dos noticiários anunciam, uma vez mais, o fracasso do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Sejam as férias, a má gestão, a falta de médicos, a burocracia ou até a “falta de conhecimentos” da ministra da Saúde – os motivos variam, mas o resultado é sempre o mesmo: o SNS falhou. Quarenta e cinco anos após a sua criação, já devíamos ter concluído, através da experiência e observação, que a verdadeira falha do SNS é conceptual, independentemente das boas intenções com que foi criado em 1979.
A ideia de um sistema único, providenciado apenas pelo Estado e pelas suas estruturas, é simplesmente inviável. As necessidades da população são, por definição, infinitas, enquanto os recursos são cada vez mais escassos. E esse desequilíbrio resulta num sistema incapaz de responder eficazmente às necessidades da população.
Os profissionais de saúde que trabalham no SNS não são adequadamente compensados, como consequência natural, muitos médicos optam por exercer a sua profissão no setor privado, onde as condições são mais atrativas. Não há uma verdadeira "falta de médicos" em Portugal – o problema é que eles não estão no serviço público.
Lamentavelmente, durante a campanha eleitoral, ouvimos partidos de tendência estatizante a sugerir a ideia de forçar os médicos a permanecer no SNS. Essa proposta, além de ser uma afronta à liberdade de escolha e à autodeterminação profissional, não resolveria o problema subjacente, já que presumivelmente a carreira em Portugal se tornaria ainda menos atrativa o que poderia adensar a escassez.
Numa alternância política já habitual, o PSD reconhece a necessidade de integrar o setor privado na saúde. No entanto, com receio de ser acusado de neoliberalismo, limita-se a uma solução de compromisso: as Parcerias Público-Privadas (PPP). Estas permitem que os cidadãos recorram ao setor privado caso o SNS não consiga providenciar os cuidados necessários. Contudo, este tipo de soluções acaba por ser revertido no governo seguinte, quando o PS, apoiado pela extrema-esquerda, impõe a sua visão ideológica de que a saúde deve ser exclusivamente providenciada pelo Estado – custe o que custar.
Há uma contradição gritante nesta abordagem: enquanto os defensores desta visão querem restringir a população ao SNS, usufruem da ADSE – um seguro de saúde facultativo para funcionários públicos, com condições mais vantajosas que um seguro privado a que o cidadão comum pode aceder, que lhes garante o acesso ao setor privado.
Entre as vantagens deste seguro, está a baixa contribuição através de apenas 3,5% dos rendimentos dos trabalhadores e coberturas que podem chegar aos 80% a 90%. Efetivamente, a ADSE tem funcionado para os seus beneficiários, e qualquer alteração ao seu funcionamento é geralmente alvo de grande contestação.
A solução não passa por eliminar a ADSE, nivelando todos por baixo. Pelo contrário, deveríamos expandir o conceito de forma a torná-lo acessível a todos os cidadãos. Um sistema de saúde verdadeiramente universal deveria garantir que o cidadão pudesse escolher entre o público e o privado, sem que a origem do prestador fosse relevante – desde que o cuidado fosse eficaz.
Ao contrário do que muitos partidos defendem, perpetuar um sistema de duas medidas prejudica, em última instância, os mais pobres. O trabalhador do setor privado acaba por pagar duas vezes pela saúde: através dos impostos e através dos seguros privados, que já são uma realidade para 30% da população, embora muito inacessíveis para a realidade portuguesa.
Em 2023, cerca de 1.5 milhões de consultas no SNS não se realizaram, devido a fatores como greves, falta de quadros e longas listas de espera, muitas vezes com consequências graves e irreversíveis para a sua condição de saúde. O utente tem menos mecanismos de proteção legal que o cliente.
Muitos autarcas têm recorrido a soluções alternativas, como a criação de seguros municipais, para tentar colmatar as falhas do SNS. Outros, como em Loures, reconhecem nas PPP, que ora aparecem, ora desaparecem uma parceria fundamental cuja extinção tem consequências graves. Por si só, estas iniciativas são reconhecimentos envergonhados de que a saúde não pode depender exclusivamente do sistema público e é por essa razão que a esquerda insiste em eliminá-las.
Ao contrário do PS, o PSD já compreendeu que a sinergia com o setor privado é essencial para evitar que a população portuguesa continue a sofrer com as falhas do SNS. No entanto, falta ao partido a coragem de tornar o que é oficioso em oficial.
O verdadeiro problema do SNS não está nas flutuações políticas, nem na gestão de curto prazo. A falha é conceptual. Um sistema de saúde que ignora as contribuições do setor privado e insiste numa abordagem estatista está condenado a falhar – não por culpa dos médicos, nem dos gestores, mas pela própria estrutura em que se baseia.
Este é o momento em que os governos devem assumir que o que foi criado em 1979 já não tem adequação em 2024 e fazer a transição definitiva para o modelo Bismarckiano, em vigor em grande parte da Europa, com provas dadas, alargado a ADSE ou um modelo equiparado a toda a população portuguesa.
Esta transição é a única capaz de aliviar a carga sobre o serviço público que já não seria a solução padrão para todos os problemas e teria uma margem maior para dar condições de trabalho mais vantajosas aos seus profissionais, bem como poderia canalizar mais esforços para a resolução de casos mais complexos como a oncologia.
Para o cidadão que quisesse aderir a este sistema, veria uma alocação de recursos mais eficiente e uma resposta rápida para todos.
Ironicamente, para salvar o SNS em Portugal e permitir que cumpra a sua função social é preciso deixar entrar o sector privado, e deixar de dividir os portugueses em duas classes.
Como poderia a esquerda opor-se a isto?
Coordenação do movimento Ladies of Liberty Alliance - Portugal e Fellow Young Voices Europe