"Uma canção de amor deve respeitar os cânones de beleza da música, entrando nas fibras dos que estão escutando.
Deve fazê-los sonhar e agradavelmente dar-lhes a conhecer o universo do amor"

                                       Andrea Bocelli [1]

Entre os dias 30/6 e 1/7 do ano passado, o tenor Andrea Bocelli brindou a cidade de Lisboa com dois concertos notáveis, no Altice Arena, que literalmente esgotou. Bocelli é, antes de qualquer outra consideração, um exemplo para o mundo e uma força da natureza. De facto, poucos são os humanos que dispõem da força interior, do carisma e da capacidade (onde existem traços de genialidade) que se possam comparar ao trajeto de vida deste incrível músico e cantor.

Bocelli nasceu em Itália, na cidade de Lajatico, em 22 de setembro de 1958. É casado em segundas núpcias com Verónica Berti e tem dois filhos. Cresceu a cerca de 40 km da cidade de Pisa, tendo na sua infância, tocado órgão na Igreja da área da sua residência. A partir dos seis anos teve aulas de piano, flauta, saxofone, trompete, harpa, violão e bateria. Quase se pode considerar como uma orquestra completa de um homem só...

Andrea nasceu com um glaucoma congénito que o deixou parcialmente cego; porém, aos 12 anos e durante um jogo de futebol, uma bola atingiu-o na cabeça, provocando uma cegueira total. Sem embargo, venceu com essa idade o prémio Marshenta d’Oro, com a canção Sole Mio, que constitui o seu primeiro troféu. Após a conclusão do ensino médio, Bocelli ingressou na Universidade de Pisa onde se formou em Direito e exerceu a profissão de advogado durante um ano. Teve, de seguida, aulas de canto com o maestro Luciano Bettarini, passando a dedicar-se a tempo inteiro a essa arte. Foi vencedor de cinco Brit Awards e três Grammys, gravou nove óperas e vários álbuns clássicos, tendo vendido 70 milhões de cópias em todo o mundo.

Ouvir Bocelli é um exercício de deleite existencial. A sua voz é telúrica e esmagadora e canta sem nos darmos conta que esteja a fazer qualquer esforço. É um exercício natural e dele resulta o Belo, o Bom, o Aprazível, que faz reviver em nós a Esperança que o Bem prevaleça contra o Mal, o Feio, o ordinário. A voz é cristalina (e de partir cristais!), envolve-nos e transcende-nos. Representa uma emoção estética. Bocelli aparenta ser um homem simples e humilde; e durante todo o espetáculo proferiu apenas uma única palavra, e por três vezes: “Obrigado!” E não precisou de dizer mais nada, pois o seu canto e a sua presença dizem tudo. É, pois, um exemplo de vida.

Os que o acompanharam não desmereceram. Em primeiro lugar a orquestra e o seu maestro, impecável na sua performance; depois o flautista, que tocava divinalmente; os bailarinos; a cantora lírica que o acompanhou, de uma elegância extrema; finalmente a nossa Cuca Roseta, que exibiu a sua bela voz num exercício de canto nada fácil de combinar com as árias do ator principal.

E assim se passaram uns momentos num dos poucos oásis onde conseguimos pousar neste tremedal da vida, em que a realidade do que se passa no âmbito político, social, económico, financeiro e nas relações sociais e internacionais tudo deixa a desejar, quando não é repelente.

Assistir a um concerto de Andrea Bocelli é como respirar oxigénio no meio de uma crise sistémica de falta de ar… Abençoado seja quem pôs este homem na terra.

Oficial Piloto Aviador (Ref.)

[1] “Uma jovem esposa grávida foi hospitalizada por um simples ataque de apendicite. Os médicos tiveram que lhe aplicar gelo no estômago e quando os tratamentos terminaram os doutores sugeriram que ela devia abortar; disseram-lhe que era a melhor solução porque o bebé nasceria com incapacidades. Mas a valente e jovem esposa decidiu não abortar e o menino nasceu. Essa mulher era minha mãe e eu era esse bebé.” Andrea Bocelli