Pode não estar nos títulos dos jornais mas acredito que a modernização dos processos democráticos em Portugal, e concretamente no que respeita à recolha de assinaturas para referendos, candidaturas presidenciais e autárquicas, é uma questão de extrema urgência e relevância.

Atualmente, o sistema é marcadamente burocrático, exigindo a recolha de uma quantidade excessiva de dados pessoais, muitos dos quais são desnecessários para os fins a que se destinam. Esse cenário não somente impõe uma carga desproporcional aos cidadãos que se empenham nestes processos democráticos, mas também levanta sérias questões sobre a eficiência e a acessibilidade do processo democrático em Portugal. Numa época tão fortemente marcada pela digitalização e pela inovação tecnológica, é inconcebível que processos tão essenciais para o funcionamento da democracia permaneçam atrelados a métodos ultrapassados e ineficazes.

Um dos pontos centrais da minha crítica ao atual sistema de recolha de assinaturas é a quantidade de dados pessoais exigidos. De acordo com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), deveria prevalecer o princípio da minimização dos dados pessoais, ou seja, somente os dados estritamente necessários para a execução de um processo deveriam ser recolhidos. No entanto, o que se observa em Portugal é um desrespeito a esse princípio, com a exigência de informações como a validade do Cartão de Cidadão, o local de emissão do documento, o nome dos pais, a profissão, e até mesmo a freguesia e concelho de naturalidade. Tais dados são irrelevantes para o objetivo de verificar a elegibilidade dos candidatos e dos seus apoiantes e apenas complicam o processo, tornando-o mais demorado, difícil e oneroso em tempo e recursos para os envolvidos.

Essa burocracia excessiva não é apenas um incómodo: tem impactos reais sobre a participação cívica e a qualidade da democracia. Grupos com menos recursos, que já enfrentam dificuldades para organizar candidaturas, são desproporcionalmente afetados por estas exigências. Além disso, a recolha de dados sensíveis, como a profissão ou a naturalidade, pode abrir espaço para discriminações injustas, prejudicando a equidade no processo eleitoral e dissuade muitos cidadãos de cederem estes dados e de, consequentemente, participarem nestes processos democráticos.

A digitalização do processo de recolha de assinaturas surge assim como uma solução evidente para muitos destes problemas. Ferramentas como a Chave Móvel Digital oferecem um meio seguro e eficiente de autenticação e assinatura de documentos, que poderia substituir com vantagens os métodos tradicionais. A assinatura digital garante a identidade do signatário com um nível de segurança comparável, ou até superior, à assinatura manuscrita em papel. Além disso, permite que os cidadãos participem nos processos democráticos sem a necessidade de deslocações físicas ou a submissão a burocracias desnecessárias.

A legislação portuguesa, por meio da Lei n.º 37/2014, de 26 de junho, já reconhece o valor jurídico dos documentos disponibilizados em formato digital através de aplicações como o ID.gov. No entanto, a sua aplicação em processos de democracia participativa, como referendos ou candidaturas, ainda é vista com desconfiança por parte de alguns membros dos tribunais e responsáveis autárquicos. Isso cria uma área cinzenta na qual a clareza e a segurança jurídica são comprometidas. É imperativo que o legislador faça uma referência explícita à admissibilidade da assinatura digital em processos eleitorais e de participação cidadã, de forma a eliminar quaisquer dúvidas e garantir que todos os cidadãos possam participar plenamente da vida democrática do país.

Além de simplificar e acelerar o processo de recolha de assinaturas, a digitalização trará inúmeros outros benefícios. Reduziria significativamente os custos associados ao uso de papel, promoveria a transparência ao permitir uma verificação mais fácil e acessível dos documentos, e contribuiria para a modernização da administração pública. Em última análise, a digitalização é uma ferramenta poderosa para democratizar ainda mais o acesso aos processos eleitorais, garantindo que todos os cidadãos, independentemente de sua localização ou recursos, possam exercer os seus direitos democráticos nas mesmas condições.

Por outro lado, a resistência à mudança e a falta de clareza jurídica não apenas perpetuam um sistema ineficiente, mas também minam a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. A democracia, para ser verdadeiramente robusta e inclusiva, tem de se adaptar às novas realidades e desafios do mundo moderno. Isto inclui a eliminação de barreiras desnecessárias à participação cívica e a garantia de que todos os cidadãos podem contribuir de maneira efetiva para o futuro do país.

Portanto, é essencial que se promova uma reforma abrangente no processo de recolha de assinaturas em Portugal. A redução dos dados pessoais exigidos, a aceitação de formas digitais de assinatura e a modernização dos procedimentos são medidas não apenas desejáveis, mas necessárias para fortalecer a democracia. A clarificação legal sobre o uso de assinaturas digitais é um passo crucial nessa direção, assegurando que a participação democrática seja acessível, segura e eficiente.

Na minha opinião, ao eliminar burocracias desnecessárias e promover a participação cívica efetiva, Portugal poderá construir uma democracia mais justa, transparente e inclusiva, em consonância com as melhores práticas internacionais e os direitos fundamentais dos cidadãos.

Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democratização dos Partidos