Em 2019, quando foi aprovada a medida que definia zonas de contenção absoluta para os Alojamentos Locais (AL), muitos acreditaram que se tratava de uma tentativa genuína de proteger os moradores do centro histórico da cidade. A "airbnbização" de Lisboa estava – diziam – a causar um aumento insustentável dos preços das rendas e a expulsar os residentes dessas zonas.

Cinco anos depois de esta proibição ter entrado em vigor, as discussões partidárias na assembleia municipal continuam a girar em torno desta medida populista, popular e em torno deste tapa-olhos legislativo que mascara o verdadeiro problema de que nenhum partido ousa falar: a dimensão do próprio turismo na cidade.

A decisão da Câmara Municipal de Lisboa de manter e impor restrições draconianas aos AL, enquanto permite a ocupação de quarteirões inteiros por hotéis é um claro exemplo de uma política pública desequilibrada e injusta que transformou uma das faces dessa mesma Moeda(s) num bode expiatório. Esta diferença de tratamento entre AL e hotelaria é tão demagógica, gritante e inaceitável como o facto de o desejo de a corrigir não integrar a agenda política geral dos partidos, nem mesmo daqueles que fazem das desigualdades a sua bandeira. Aliás, muito pelo contrário.

Mas os números não mentem: nos últimos quatro anos, abriram-se 71 novos empreendimentos hoteleiros em Lisboa, sendo que 41 destes se situam dentro das zonas de contenção absoluta para os AL. As freguesias de Santa Maria Maior e Santo António são exemplos notórios desta enorme disparidade: só nestas zonas do epicentro Lisboeta surgiram 32 novos hotéis nos últimos quatro anos. Que alguém me explique, na prática, a diferença entre os AL e os hotéis em termos de escala e de impacto na cidade de forma a justificar esta discrepância de política pública.

É inegável que Lisboa vive um momento de crescimento acelerado no setor turístico, mas como justificar este desequilíbrio regulatório entre as diferentes modalidades de alojamento? Como é possível justificar a proibição dos AL, alegando o seu impacto negativo, enquanto se permite que hotéis ocupem quarteirões inteiros nas mesmas áreas? Existirá algum partido a salvo dos interesses económicos do turismo e dos grandes grupos hoteleiros?

Cinco anos depois da proibição centrada no AL, a falta de medidas concretas para corrigir este desequilíbrio é preocupante e revela, sem surpresa, decisores políticos mais preocupados com os interesses dos grandes investidores e com o calendário eleitoral do que com o bem-estar dos seus cidadãos. Só assim se entende que em 2024 serão inaugurados mais 40 novos hotéis na capital portuguesa ao abrigo de licenças emitidas pela câmara municipal, colocando Lisboa como a terceira cidade europeia com mais novas aberturas de hotéis. Enquanto isso, na assembleia municipal e até no Parlamento quando se fala do problema estrutural da falta de habitação, os políticos continuam a demonizar o alojamento local, sem dúvida o caminho mais fácil e populista para quem deseja ignorar o verdadeiro problema.

Para os hoteleiros, a vida corre-lhes bem. Beneficiam de uma liberdade regulatória que lhes permite expandir sem restrições e enquanto os pequenos proprietários de AL enfrentarem este tipo de barreiras intransponíveis, eliminaram uma certa concorrência ao seu negócio. No fundo, é como se os taxistas do “antigamente” conseguissem ver-se livres dos TVDE.

Se alguém pensa que a gentrificação e a perda de identidade de Lisboa vai acabar com o fim do AL, experimente imaginar a “nossa” cidade daqui a dez anos com um mega-aeroporto com três ou quatro pistas, 100 milhões de passageiros por ano, com avenidas repletas de hotéis internacionais, lojinhas de souvenirs ou de cadeias multinacionais, com marcas de comida e de café globais que promovem os monossabores.

Ao ver Lisboa transformar-se num parque temático para turistas em detrimento de uma cidade vibrante para os seus residentes, pergunto-me até quando é que a cidade aguentará este desequilíbrio? E acham mesmo que problema é o AL?! Ah, há hoteleiros com muita sorte.

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo