As mudanças comportamentais do século XXI tiveram um enorme impacto no modelo educativo em Portugal e no mundo. Sem dúvida que, desde a revolução industrial até aos dias de hoje, com o aparecimento da inteligência artificial e plataformas de AI, estas transformações irá obrigar a uma reformulação dos modelos educativos e a uma enorme adaptação da sociedade contemporânea a este salto quântico educativo.

É necessário enquadrar alguns dados estatísticos em Portugal para compreendermos a verdadeira dimensão educativa no país. A DGEEC – Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência publicou em 2023 o relatório “Educação em Números 2023”, onde expõe dados interessantes sobre a evolução entre 2005 e 2022, a nível dos recursos tecnológicos. Em 2021/2022, o rácio que mede o número de alunos por computador com ligação à internet voltou a atingir um mínimo histórico no ensino público, com 1,3 alunos por computador face a 1,8 em 2020/2021 e a 4,7 em 2019/2020. Até podemos identificar a justificação com questões relativas ao regime de empréstimos tecnológicos: é necessário que o investimento na escola digital e modelo educativo tenha verbas adequadas a uma revolução tecnológica no horizonte que irá alterar diversos paradigmas. Existem alertas no ensino que devem preocupar governantes e a sociedade, isto porque um país que não investe na educação, seja por via académica ou profissional, está a hipotecar o futuro em diversos quadrantes, do social ao económico.

O elevador social de uma sociedade contemporânea deveria ter como base a aposta continua na inovação - e aqui mencionar a investigação cientifica que possa permitir o meio académico alinhar-se com a área empresarial e desenvolver tecnologias patenteadas que permitam a criação de valor e técnicos especializados. Criámos o estigma na sociedade sobre a área de formação técnica, cada vez mais valorizada porque os conteúdos programáticos da área eletrotécnica, eletricidade, áreas digitais vão ao encontro das necessidades das empresas. É necessário um equilíbrio, mas relembro o impacto positivo que o sistema dual de formação profissional teve e tem na Alemanha e na base do seu sucesso económico.

A covid-19 veio alterar e em muitos casos acelerar diversas dimensões na área educativa. Soft skills como a empatia, a resiliência e a colaboração em rede estão a ter cada vez mais destaque na área dos recursos humanos. Sem dúvida que o sucesso de cada um de nós não depende unicamente das capacidades técnicas, mas também de outros fatores de inteligência emocional - esta tem sido uma tendência global que deve ser integrada no sistema educativo português na inclusão de diversas competências em que os alunos possam desenvolver projetos na área das artes, economia, ciência e retirar o máximo de programas integrados com a realidade profissional interligada pela tecnologia.

Existe uma área que deve ser mencionada, mas que pode não ser adequada à sociedade em geral por questões de constrangimento laboral parental, mas o ensino remoto/híbrido utilizando ferramentas/plataformas digitais pode dar continuidade e flexibilidade/acessibilidade do ensino a estudantes para que, por algum motivo geográfico ou económico, não percam a oportunidade de desenvolver competências técnicas e teóricas mesmo quando existe algum entrave ao acesso por questões sociais.

É de relembrar que o maior avanço educativo do século XXI é a digitalização, mas ao mesmo tempo o mais desafiador para um modelo de ensino atual pré-histórico. Sem dúvida que iniciativas em Portugal, como o Plano Nacional de Competências Digitais, têm acelerado a diminuição do “gap” para outros países da OCDE, mas a democratização do acesso à internet via dispositivos móveis veio revolucionar a forma como interagimos com a informação e consequente conhecimento. Nos EUA, o uso de tecnologia educacional é amplamente alargado e plataformas como a Khan Academy (organização sem fins lucrativos fundada por Salman Khan), apoiada por algumas das maiores fundações mundiais, disponibilizam ferramentas educacionais gratuitas e personalizadas para estudantes de diversas idades, assim como universidades da Ivy League disponibilizam cursos online gratuitos, promovendo o conceito de educação aberta e inclusiva.

A título de exemplo, na Ásia, países como a Coreia do Sul e Singapura apostam na integração de tecnologia avançada no ensino, promovendo o uso de e-books e plataformas de e-learning, observando um investimento acelerado na infraestrutura digital das escolas, para os novos meios de ensino como apps educativas e jogos digitais para tornar o processo de ensino mais envolvente e eficaz. Em Portugal também temos bons exemplos, como a Universidade Nova, que numa visão a 20 anos alterou o paradigma do ensino qualificado em Portugal, e a escola de programação 42, onde os alunos desenvolvem competências emocionais e técnicas na área do IT, num modelo de programação similar a um jogo, mas que permite a cada um desenvolver competências de autonomia e resolução de problemas em equipa. É verdade que exige mecenas que apoiem estas visões de futuro, mas se existem casos de sucesso, é replicar e adequar ao panorama nacional.

O Santo Graal do futuro é que vivemos num mundo de pessoas para pessoas, por mais tecnologia que possamos incorporar, sendo necessário humanizar este processo. Quero enaltecer que é fundamental valorizar emocionalmente/financeiramente a profissão de docente em Portugal e criar KPI para que possamos criar um modelo orgânico de meritocracia. Qualquer bom profissional nesta área tem a capacidade de alterar todo o paradigma de um aluno. A curto e a médio prazo, é necessário esta valorização da profissão em todo o seu espetro, desde o nível iniciático até à Universidade.

Com este artigo de opinião quero não só explorar as diversas áreas de futuro ( que com mais ou menos detalhes todos concordamos) mas deixar claro que no cerne desta transformação de riqueza social e económica, a valorização dos professores pode transformar todo o desenvolvimento para uma sociedade mais prospera e equitativa, assim como possibilitar o aumento da produtividade, tendo em consideração que as mudanças comportamentais da nova geração estão a provocar uma verdadeira revolução do ensino. A digitalização, assim como a personalização do ensino, os modelos híbridos e a modernização do conceito industrial de ensino atual só são possíveis se alguns astros se alinharem, e para isso necessitamos que as políticas públicas, as instituições académicas e a sociedade trabalhem em conjunto para criar o futuro de Portugal.

Em suma, o atual estado da nação no que concerne à educação é de enorme preocupação. Segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (2023), em 2030, o sistema de ensino em Portugal poderá ter menos 34.500 docentes do que os necessários, mas ter um ecossistema saudável do ponto de vista dos rácios. E aqui todos deveriam questionar-se: é este cenário que ambicionam para os vossos filhos e as futuras gerações? Falamos tanto em digitalização que nos esquecemos da humanização do ensino. E aqui, porventura, reside o sucesso do processo transformativo onde a tecnologia trabalha em favor da humanidade - e não o contrário.