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Povo (europeu) desunido será vencido

Hoje, viajar e comunicar dentro da Europa é infinitamente mais fácil e acessível. Essa aproximação, liberdade e mobilidade são superações que obtivemos graças à União Europeia.

Os vários nomes que foi tendo ilustram e marcam as diferentes fases deste projeto único da nossa história contemporânea definido como a construção de uma Europa unida em volta da paz, da cooperação e da prosperidade. Recordo aqui aqueles nomes que eu próprio conheci: Comunidade Económica Europeia (CEE), Comunidade Europeia (CE) e, por fim, a União Europeia (UE). No entanto, nunca como hoje o nacionalismo e o populismo parecem estar tão presentes nesta União.

Em muitos países por essa Europa fora, os eleitores que se deslocarão às urnas são justamente aqueles que mais desconfiam, aqueles que mais distantes ou mais excluídos se sentem relativamente a este projeto. Parte desta desilusão tem raízes profundas na confusão e na desinformação que alguns políticos dos países membros alimentam, aproveitando o vazio prático e comunicativo deixado pelas instituições europeias e pela distância criada pelo “círculo dourado de Bruxelas”.

Em plena campanha eleitoral, é comum ver políticos a prometerem defender os interesses nacionais quando, na realidade, uma vez chegados ao Parlamento Europeu, os deputados eleitos por cada país se agrupam em blocos político-partidários com deputados de todos os países. Esses blocos supranacionais são, em grande medida, dominados pelos representantes dos maiores Estados-membros e assim expressam os seus votos. Esta dinâmica política cria uma desilusão entre os eleitores, que, uma vez mais, se sentem traídos por vãs promessas que são, na verdade, facilmente desmontáveis.

Refletindo sobre o que o projeto europeu trouxe para a minha vida pessoal, é impossível não recordar os meus tempos de estudante. Fiz parte do primeiro grupo de seis alunos da Faculdade de Direito de Lisboa que participaram no primeiro programa Erasmus disponibilizado naquela universidade. Durante os meus 14 meses em França, fui tratado como um nacional, tive acesso à bolsa de ajuda para o alojamento, às residências universitárias e a todos os cuidados de saúde pública. Este tratamento igualitário fez-me sentir parte de algo muito maior e contribuiu decisivamente para a formação da minha identidade europeia. Claro que, nesse tempo, coisas simples como telefonar para casa ainda era caro. O “roaming” – para quem tinha telemóvel da era pré-digital – atingia valores exorbitantes e, no meu caso, o único recurso eram mesmo os cartões pré-pagos das cabines públicas ou fazendo uso do telefone fixo que pagava para ter em casa. Claro que as transferências bancárias dentro da Europa ainda custavam dinheiro, claro que se perdia dinheiro no câmbio, ainda que fixo, de escudos para francos franceses. Porém, e contrariamente a outros colegas que já beneficiavam de linhas ferroviárias rápidas ou da liberalização comercial aérea na Europa, a política nacionalista que vigorava em Portugal construía autoestradas e protegia a todo o custo as companhias aéreas estatais, impedia-me o acesso a tarifas aéreas de baixo custo para Lisboa e para qualquer outro aeroporto português.

Hoje, viajar e comunicar dentro da Europa é infinitamente mais fácil e acessível. Esta aproximação, esta liberdade e mobilidade são superações que obtivemos graças à União Europeia. As agendas de opressão, de pobreza, de manipulação, de estatização e de desinformação ficaram muito afetadas por esta nova conjuntura e por este novo renascimento das ideias, das relações e das interações entre os povos. Os desafios que enfrentamos hoje não devem fazer-nos esquecer o longo caminho percorrido até aqui.

A União Europeia tem falhas e enfrenta críticas legítimas. Rejeitar a desinformação e olhar criticamente para as promessas demagógicas de políticos fora de prazo é essencial para preservar esta construção que, apesar das suas imperfeições, é justamente um baluarte contra os perigos do nacionalismo exacerbado e expansionista, aquele que hoje estranhamos quando observamos invasão russa na Ucrânia. As nossas opiniões sobre como continuar este projeto poderão divergir, mas uma coisa é certa: um povo europeu desunido será vencido. E não é nada seguro que os novos vencedores nos tragam um futuro melhor.

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo