A transformação das Unidades Locais de Saúde (ULS) em Sistemas Locais de Saúde (SLS) representa um passo crucial na evolução do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal. Esta mudança pretende responder de forma mais eficaz às necessidades de saúde da população, através de uma abordagem mais integrada e centrada no cidadão, promovendo uma gestão mais próxima e eficiente dos cuidados de saúde.

Desde a sua criação, as ULS foram concebidas para integrar os cuidados primários e hospitalares, oferecendo uma gestão mais coesa e adaptada às realidades locais. Em 2023, as ULS cobriam aproximadamente 30% da população e geriam cerca de 60% do orçamento destinado aos cuidados primários. Apesar dos seus méritos, as ULS enfrentam desafios persistentes na articulação entre diferentes níveis de cuidados e na coordenação com diversos setores. Problemas como barreiras administrativas, falta de recursos adequados e dificuldades na integração de sistemas de informação limitam o seu potencial para maximizar a eficiência e a eficácia dos cuidados prestados.

O modelo de SLS propõe uma evolução significativa, promovendo uma abordagem holística da saúde onde a promoção da saúde, a prevenção e a continuidade dos cuidados são centrais. Este modelo coloca o cidadão no centro do sistema, garantindo acesso facilitado não só aos serviços públicos, mas também ao setor social e privado, criando uma rede de cuidados integrada e eficiente. Os SLS propõem uma gestão coordenada e partilhada dos recursos disponíveis numa região, com um foco especial na colaboração entre diferentes entidades e setores para melhorar a resposta às necessidades da população.

A delegação de competências para os municípios é um aspeto fundamental dos SLS. Esta descentralização visa aproximar a gestão dos cuidados de saúde das necessidades locais, permitindo que os municípios desempenhem um papel mais ativo na coordenação dos cuidados e na promoção da saúde. Com maior autonomia, os municípios podem desenvolver programas específicos que melhor atendam às necessidades das suas comunidades, integrando cuidados de saúde com outras áreas de competência local, como educação e ação social. Esta abordagem facilita uma resposta mais rápida e personalizada, promovendo a participação ativa das autarquias na gestão de centros de saúde, programas de saúde pública e iniciativas de literacia em saúde.

Existem já várias iniciativas em Portugal que refletem o conceito de SLS: O Projeto de Saúde Local na Península de Setúbal, por exemplo, integra serviços de saúde e sociais, melhorando a coordenação entre cuidados primários e hospitalares e facilitando o acesso aos cuidados através de parcerias com autarquias e o setor privado. A Rede Integrada de Cuidados na Região Norte implementa um modelo de coordenação de cuidados que envolve hospitais, centros de saúde e serviços sociais, promovendo uma gestão conjunta dos recursos e um acesso mais integrado aos serviços. Em Coimbra, um modelo piloto de gestão de cuidados integrado foi lançado, envolvendo autarquias e associações locais para melhorar a gestão dos recursos e o acompanhamento dos pacientes. Em Évora, a cooperação entre diferentes unidades de saúde e parceiros sociais visa uma gestão mais integrada e eficiente dos recursos, promovendo a saúde comunitária e melhorando a acessibilidade aos serviços.

Os SLS oferecem uma abordagem holística que enfatiza a integração efetiva dos cuidados, a promoção da saúde e a prevenção, além de assegurar a igualdade no acesso. A coordenação entre diferentes setores e níveis de cuidado pode melhorar a resposta às necessidades da população, promover uma utilização mais eficiente dos recursos e facilitar uma gestão mais adaptável e personalizada dos cuidados de saúde. A capacidade de criar redes de cuidados colaborativas e integradas permite uma resposta mais rápida e adequada, facilitando uma gestão que não só atende às necessidades de saúde imediatas, mas também promove um enfoque preventivo.

A transição para os SLS e a delegação de competências para os municípios apresentam desafios significativos. A necessidade de uma gestão eficaz e de uma cultura de colaboração entre diferentes setores exige um esforço conjunto e um investimento significativo em infraestruturas e tecnologias. A integração de sistemas de informação e a garantia da continuidade dos cuidados são cruciais para o sucesso dos SLS. Além disso, a transformação cultural e administrativa necessária para implementar estes novos modelos pode enfrentar resistência e necessitar de adaptações contínuas. Contudo, os SLS oferecem oportunidades únicas para melhorar a eficácia e a equidade do SNS. A capacidade de utilizar recursos de diferentes setores pode reduzir tempos de espera, melhorar a qualidade dos cuidados e promover a sustentabilidade do sistema. Além disso, a descentralização e a gestão local permitem uma resposta mais rápida e adaptada às necessidades específicas das comunidades, criando um sistema de saúde mais resiliente e preparado para enfrentar os desafios futuros.

Para que o SNS continue a evoluir e a responder de forma eficaz às necessidades da população, é essencial que as ULS se transformem em verdadeiros Sistemas Locais de Saúde. Colocar o cidadão no centro do sistema, delegar competências aos municípios e garantir a integração dos cuidados são passos fundamentais para assegurar que o SNS se mantenha relevante e eficiente. A experiência inicial com os SLS em várias regiões de Portugal demonstra que é possível integrar cuidados de saúde de maneira mais eficaz e próxima das comunidades, garantindo uma resposta mais rápida e adequada às necessidades dos cidadãos. Esta transição para os SLS oferece uma visão promissora para a organização do SNS, proporcionando um modelo mais integrado e centrado no cidadão, que visa otimizar os recursos e melhorar a qualidade e acessibilidade dos cuidados de saúde.

Carlos Gouveia Martins
Especialista em Saúde e Setor Público