“Estou feliz, porque vou para o 1.º ano aprender a ler e a escrever”

“Eu não gosto muito porque não há quase nada para brincar, vou ter testes e podem ter muitas perguntas”

A forma como as crianças veem a entrada no 1.º ano e as suas expectativas podem ser muito diversas.

A entrada no 1.º ano de escolaridade é uma etapa importante na vida de qualquer criança. Contudo, um olhar atento permite-nos perceber que essa entrada implica muitas mudanças, não só para as crianças, como para as famílias e profissionais.

As famílias deixam de ter uma criança no Jardim-de-Infância (JI) e passam a ter um aluno na escola, com todas as alterações de exigências e rotinas que estão inerentes. Os profissionais deixam o seu grupo, recebem novos grupos, tendo de preparar o início de todo um processo de conhecimento destas crianças, para adequarem as suas práticas, procurando dar resposta às suas necessidades.

Para as crianças, a maior parte das vezes, é um momento de incertezas sobre os espaços, o que vão fazer, os adultos com quem vão lidar, o novo grupo de amigos, as aprendizagens, etc. Isto gera ansiedades, receios, tristeza, mas também motivação, vontade de ir para a escola, expectativas sobre o que vão aprender.

Conseguimos perceber que nem sempre o discurso dos que estão próximos das crianças as ‘apazigua’ com esta mudança. Ouvimos muitas vezes “para o ano na escola é que vais ver como é”, “para o ano já não é só brincadeira”, “depois é que vai ser trabalhar”, parecendo que vão entrar num mundo novo onde se deixa de brincar, onde é tudo sério e que, a partir dessa altura, é que vão ‘mesmo’ aprender. Vão assim formando expectativas, complementadas com outras informações, que podem condicionar as suas atitudes e a forma como encaram esta nova etapa.

A transição do JI para o 1.º ciclo do Ensino Básico (CEB) não deve, nem pode ser vista como o momento em que a criança entra na escola, mas sim como um processo alongado no tempo, que começa muito antes desse dia e que acaba depois de terminado o processo de adaptação.

Tradicionalmente encarava-se esta transição como uma preparação para a escola. Assim, era responsabilidade e tarefa do Jardim-de-Infância trabalhar os chamados pré-requisitos que eram considerados essenciais serem adquiridos antes de as crianças aprenderem a ler e a escrever e contar. Sabemos atualmente que este não é um processo segmentado, linear nem rígido e que não se podem ignorar os conhecimentos que as crianças já possuem, muitos antes de entrarem para a escola. Assim, o papel de todos nós, nos momentos de transição, não deve ser o de preparar para a etapa seguinte, adotando práticas estereotipadas, descontextualizadas, iguais para todos (fichas, grafismos, ensinar a copiar letras, mantê-los sentados, treino de motricidade fina). O nosso papel e o desafio que se nos coloca é promover o desenvolvimento e o potencial de cada criança, de acordo com as suas necessidades, fortalecendo-as, capacitando-as e preparando-as, não para a etapa seguinte, mas para todos os desafios que se lhes colocam e vão colocar no seu quotidiano agora, na escola e depois da escola.

Assim, uma entrada na escola bem-sucedida NÃO é responsabilidade da criança e da forma como vem 'preparada', como tradicionalmente se pensava. É SIM, uma responsabilidade de todos os envolvidos, antes, durante e depois da entrada na escola, pelas oportunidades de desenvolvimento proporcionadas, as interações e diálogos desenvolvidos, a escuta efetiva, o (re)conhecimento das necessidades e o empoderamento das crianças, famílias e profissionais.

Um processo de transição para a escola, onde crianças e famílias se sentem acolhidas, envolve: DIÁLOGO e comunicação fluida, RESPEITO pela individualidade e papel de cada um, PARCERIA na atuação de todos num clima de SEGURANÇA, sem receios e baseado na CONFIANÇA. Pensemos então, como cada um de nós pode contribuir para uma BOA entrada das crianças no 1.º ano.

Lourdes Mata, professora e investigadora do Ispa – Instituto Universitário