Há um momento algo paradigmático do que é ver um David vindo do Campeonato de Portugal, o 4.º escalão do nosso futebol, a enfrentar um Golias, neste caso um Golias que até é o clube com mais títulos na Taça de Portugal - o Benfica. Algures a meio da 2.ª parte, Ericson, médio cabo-verdiano do Pevidém, entrou em campo e pouco depois ostentava um impressionante rasgão na parte frontal da camisola. A elástica substituta demorou a chegar e logo se percebeu porquê: porque não existia. Quando voltou ao jogo, Ericson vestia a camisola 4, de André Alves, ausente deste jogo.

É só mais uma das bizarrices de um futebol que não prima pelo equilíbrio. Mas este sinal de dificuldade, diga-se, não se verteu totalmente para o campo. O David, cheio de gente que trabalha de dia e treina à noite, não se atemorizou perante o Golias, mesmo que o Benfica tenha entrado praticamente a ganhar: ainda não havia quatro minutos no marcador e já estava em vantagem, com um golo de Jan-Niklas Beste, uma das novidades de Bruno Lage, esta noite a jogar a extremo, ele que seria o autor dos dois golos com que o Benfica garantiu um lugar na próxima eliminatória da Taça de Portugal.

O primeiro golo foi um hino à simplicidade, numa jogada que começou em Samuel Soares, foi conduzida por Aursnes, com Beste a responder de primeira ao cruzamento de Kaboré também ele de primeira. Tudo simples e fácil. O Pevidém respondeu com personalidade e uma corajosa abordagem ao jogo. Tentou sair de trás e fê-lo, várias vezes, com qualidade, cheirando os espaços, trocando bem a bola, mostrando que há ali trabalho de treinador, coisa que é sempre necessária, treine-se de manhã com todas as condições ou só à noite com as condições possíveis.

ESTELA SILVA

O golo, é certo, nunca rondou a baliza do Benfica, tirando um lance já no final da 1.ª parte, em que João Marna chegou um pouco antes do tempo a um cruzamento da direita, criando um pequeno calafrio nas bancadas onde dominava o vermelho.

O Benfica, por seu turno, atacava muito e rematava com facilidade. Carreras e Rollheiser tentaram imitar Beste, sem sucesso. Tomás Araújo, de cabeça, também andou perto. Carreras e Kaboré, nas laterais, aproveitavam a pouca oposição. Os encarnados, sem o brilhantismo do golo que lhes dava vantagem, iam controlando.

Na entrada da 2.ª parte, o Benfica tentou sufocar o Pevidém, que se viu, agora sim, empurrado para junto da sua área. Ainda assim, as oportunidades eram escassas. Amdouni, apagado na 1.ª parte, deu lugar a Schjelderup, mas o miúdo norueguês tão-pouco se destacou. Arthur Cabral, algo trapalhão durante o jogo, marcou com um remate à meia-volta aos 65’, mas houve falta antes. O 2-0 surgiria depois da rábula da camisola de Ericson, novamente Beste, com um belo remate de pé esquerdo depois de uma abertura não menos interessante de Carreras, com Cabral a dar ainda uma ajuda involuntária como pivô.

O golo serviria para fechar um jogo que já estava bem controlado pelo Benfica, que não foi bestial, nem precisou, mas foi Beste. Quanto ao Pevidém, pode sair da Taça de cabeça erguida, sabendo que tentou, pelo menos, mostrar o seu futebol, que aproveitou a oportunidade sem se fechar em copas. As lágrimas de Pedrinho na flash da RTP contam uma bonita história, de gente anónima uma vida inteira e que teve aqui o seu momento.