O CHUSJ está a realizar, desde dezembro de 2022, uma nova técnica de termoablação por radiofrequência em ambulatório, para tratamento dos nódulos da tiroide. Em que consiste?
Com o doente acordado e sob anestesia local utilizamos uma agulha que, estando ligada a um sistema externo, gera calor na extremidade que leva ao aquecimento daquela área, promovendo a destruição do nódulo. Todo o procedimento é executado com controlo ecográfico em ‘’real time’’.
Esta técnica inovadora já é realizada em mais algum hospital do SNS?
Penso que, como procedimento rotineiro na prática clínica do tratamento de nódulos tiroideus, apenas o CHUSJ o faz neste momento. Alguns hospitais privados dispõem desta técnica, mas creio que com uma utilização muito baixa.
Em média, quantos doentes já trataram através de termoablação por radiofrequência?
Atualmente, temos nove doentes tratados. Estamos a alargar as indicações e pretendemos terminar o ano com, pelo menos, trinta doentes tratados.
Quais são as indicações?
Neste momento, as indicações são nódulos tiroideus, comprovadamente benignos, em que haja qualquer tipo de contraindicação para cirurgia. Num futuro próximo, pretendemos estender as indicações para situações de malignidade em que a cirurgia tenha riscos muito elevados.
Pretende-se que seja uma “arma terapêutica’’ complementar às que já dispomos numa unidade hospitalar com alto volume de cirurgia tiroideia (cerca de 600 doentes operados anualmente e a aumentar).
Quais as mais-valias para o doente?
Ao ser realizada em ambulatório, esta técnica evita o internamento, permitindo o regresso do doente a casa ao fim de 3 a 4 horas. Evita ainda a anestesia geral, pois é realizada sob anestesia local, assim como a eventual necessidade de suplementação hormonal, pois não altera o estado funcional tiroideu.
É praticamente indolor e evita todos os riscos da cirurgia tiroideia, que embora raros, podem ser muito incapacitantes, como por exemplo a lesão do nervo laríngeo recorrente com alterações na voz e das glândulas paratiroides.
Para o hospital, permite libertar blocos operatórios e camas de internamento para procedimentos mais complexos.
A termoablação por radiofrequência é eficaz em todos os tipos de nódulos?
Não. Há nódulos totalmente císticos em que não é eficaz. Para estes nódulos temos outras técnicas não invasivas, como por exemplo, a alcoolização dos nódulos. Nas situações de malignidade ou de suspeita, a cirurgia continua a ser a primeira opção. No entanto, a termoablação por radiofrequência terá um papel de interesse crescente no tratamento/controlo destas situações.
Em todos os tipos de casos de patologia maligna da tiroide?
Em doentes de alto risco para a anestesia ou para a cirurgia a termoablação por radiofrequência já tem um papel crescente nos centros com mais experiência no Oriente, e, esse conhecimento e prática, rapidamente chegará à Europa.
Como é feito depois o seguimento destes doentes, sobretudo dos que têm patologia maligna?
Os efeitos de redução do nódulo não são imediatos, demorando cerca de seis meses, pelo que há um acompanhamento clínico e ecográfico seriado. Não interfere com a realização de qualquer outra terapêutica associada, embora a radioterapia e a quimioterapia apenas sejam utilizadas excecionalmente na malignidade tiroideia. O tratamento complementar mais utilizado é o Iodo radioativo.
Este tratamento é contraindicado a algum tipo de doentes?
Há muito poucas contraindicações. Há doentes que devem ser abordados com cuidados especiais, nomeadamente hipocoagulados e portadores de pacemakers.
E efeitos secundários?
Como em qualquer procedimento invasivo há riscos, embora aqui especialmente raros. Discreta dor local bem controlável com analgesia; infeção e hematoma serão os mais frequentes.
Qual a prevalência dos nódulos da tiroide em Portugal?
Extremamente frequentes. Sabemos de estatísticas internacionais em que 50% da população com 50 anos ou mais têm nódulos tiroideus. A grande maioria desconhece e não há indicação para qualquer rastreio. A enormíssima maioria não tem qualquer relevância.
O cancro da tiroide está a aumentar imenso, mas a mortalidade não, o que poderá significar que estamos a melhorar no diagnóstico de uma neoplasia de muito baixa agressividade.
No entanto, o cancro da tiroide, em situações muito raras, pode ser extremamente agressivo (com mortalidade de quase 100%), o que obriga a uma atenção redobrada.
Como vê a evolução desta técnica?
Penso que vai acontecer como na Correia do Sul e no Japão, onde já é uma rotina de utilização intensiva. Na Europa cresce a grande ritmo não só em número de doentes, como de centros que a praticam, estando neste momento num processo muito rápido de acumulação de experiência.
Texto: Sílvia Malheiro
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