Qual a prevalência da obesidade em Portugal?
Segundo dados do 2.º Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, já com 7 anos, a prevalência da obesidade na população portuguesa era de 22.3%. Esta prevalência aumenta à medida que aumenta a escala etária.

E quais as principais consequências para a saúde física e mental?
A obesidade constitui fator de risco para múltiplas outras patologias. Aliás, a obesidade associa-se a mais de 200 outras patologias, denominadas de comorbilidades da obesidade. À cabeça encontra-se a diabetes tipo 2, sendo que a obesidade explica perto de 80% do risco de desenvolvimento daquela patologia. Mas o risco associado à obesidade é particularmente elevado, abarcando outras condições metabólicas, doenças cardiovasculares, patologias do foro da pneumologia, compromisso da função reprodutiva e patologia oncológica, entre outras. Adicionalmente, a obesidade também se associa a patologia do foro mental.

“Pela obesidade per se e por todas as condições associadas a esta doença, pode resultar um marcado compromisso na qualidade de vida das pessoas afetadas por obesidade.”

A obesidade é uma doença, mas a população nem sempre tem essa noção. Entre os profissionais de saúde também existem mitos em torno deste problema de saúde?
A obesidade é uma doença crónica, recidivante, de etiologia multifatorial e extremamente complexa. No nosso país, a obesidade foi reconhecida como doença crónica, em 2004, pela Direção-Geral da Saúde. Contudo, muita da nossa sociedade considera que a obesidade é uma característica individual que advém, unicamente, de um estilo de vida errado sendo, por consequência, da exclusiva culpa do indivíduo. Para estas pessoas, a fórmula do “comer menos e mexer-se mais” só não resulta por culpa do próprio. Infelizmente, esta também é a visão de muitos dos profissionais de saúde em Portugal, em grande parte secundária à falta de formação pré e pós-graduada. A obesidade é uma doença extremamente complexa, da qual ainda não são conhecidos todos os mecanismos fisiopatológicos.

O médico de família costuma ser a primeira porta de entrada no sistema. Mas nem todos têm médico de família. Nestes casos, de que forma pode um médico ajudar um doente com obesidade?
Como disse, a obesidade é uma doença extremamente complexa. Contudo, com isto não quero dizer que a guerra contra a obesidade está perdida. Um tratamento eficaz deve considerar uma abordagem comportamental, a implementação da atividade física e a correção de eventuais erros alimentares. Felizmente, no presente, existem ajudas farmacológicas eficazes que complementam as outras abordagens referidas. Contudo, os fármacos antiobesidade não são comparticipados, tornando o acesso a esta terapêutica restrito a pessoas que têm poder económico para adquirir.

“Cria-se, assim, uma situação de iniquidade em que as pessoas com mais baixos recursos, que além do mais são aquelas que apresentam maior prevalência de obesidade, se encontram impossibilitadas de usufruir das mesmas ajudas no tratamento da obesidade”.

Por que razão ainda não existe comparticipação dos medicamentos para a obesidade? É o estigma?
Os fármacos para tratamento da obesidade não se encontram comparticipados porque ainda não foi criado o seu grupo farmacoterapêutico. Supostamente, é necessário que esse grupo seja criado (aparentemente uma decisão política) para que, a posteriori, possa ser avaliado o seu grau de comparticipação (uma decisão técnica da competência do INFARMED). Apesar de ainda não ter sido obtida a comparticipação dos fármacos antiobesidade, esta constituía uma das 13 recomendações que a Assembleia da República dirigiu ao Governo em julho de 2021.

A cirurgia é vista pelos doentes como a solução. Mas é suficiente?
A cirurgia da obesidade, chamada de cirurgia bariátrica é, atualmente, a terapêutica mais eficaz para tratamento de graus severos de obesidade. Contudo, não é nem deve ser a solução para a problemática da obesidade. É importante, e continuará a ter o seu papel, mas para uma pequena minoria do global da população que sofre de obesidade. Atualmente, a cirurgia bariátrica pode ser equacionada em pessoas com obesidade classe III (isto é, com índice de massa corporal igual ou acima de 40 Kg/m2) ou em pessoas com obesidade classe II (isto é, com índice de massa corporal acima de 35 e abaixo de 40 Kg/m2) em que estejam presentes comorbilidades.

Ainda no âmbito da cirurgia, nem sempre os doentes conseguem ter acesso à mesma em tempo útil. O que deve mudar para que haja maior equidade?
Infelizmente, os tempos de espera para aceder a uma consulta num Centro de Tratamento Cirúrgico de Obesidade são demasiado longos. À semelhança do que acontece com a ajuda farmacológica antiobesidade, também no acesso à cirurgia bariátrica é gritante a iniquidade; quem tem possibilidades económicas pode recorrer ao sector privado e a quem não tem só resta esperar pela sua vez. Este aspeto também estava explanado nas 13 recomendações emanadas pela Assembleia da República, em 2021. Aqui era recomendado a potenciação dos Centros de Tratamento Cirúrgico de Obesidade para que um maior número de pessoas pudesse usufruir daquela solução.

Nos próximos tempos, que medidas devem ser reforçadas ou iniciadas para que a obesidade deixe de ser uma pandemia?
A solução passa, obviamente, por uma eficaz prevenção da obesidade. Os dois planos de saúde prioritários da Direção-Geral da Saúde (Programa Nacional da Alimentação Saudável e Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física) têm feito um trabalho excelente, mas não chega. A obesidade só se consegue prevenir através de um conjunto alargado de medidas a nível das escolas, dos municípios e dos governos.

“Estas medidas têm de ser pensadas e implementadas num horizonte temporal que ultrapassa, e muito, o período de uma legislatura”.

Por outro lado, quando a prevenção falha (e temos de assumir que falha muitas vezes) há necessidade de dar solução a todas as pessoas que acabam por desenvolver a doença. Não há possibilidade de dar resposta a todas estas pessoas nos cuidados de saúde hospitalar; há que envolver de uma forma mais ativa os cuidados de saúde primários e providenciar a formação necessária para um efetivo combate a esta pandemia.

MJG

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