Passaram 35 anos desde o dia 1 de dezembro quando foi instituído o Dia Mundial de Luta Contra a SIDA. Muita coisa mudou desde essa data. Ainda faz sentido assinalar este dia?
Faz todo o sentido, porque, muita coisa se alterou desde então, principalmente as perspetivas de vida dos nossos doentes. Atualmente, a SIDA já não é como há 35 anos, uma doença que matava em poucos meses ou anos. Hoje, é uma doença crónica, uma infeção, com a qual a pessoa vive perfeitamente bem. É equiparável a outras doenças crónicas, como seja a diabetes ou a hipertensão arterial. De facto, nesse sentido, muito mudou. Temos terapêuticas muitíssimo mais eficazes e bem toleradas, que permitem uma qualidade de vida excelente. No entanto, há um campo em que, infelizmente, mudou muito pouco: a discriminação e o estigma das pessoas que vivem com o VIH. Os doentes continuam a relatar-nos situações de discriminação no seu dia-a-dia, em ambientes escolares, laborais, sociais e familiares. Portanto, nesse sentido, é muito importante, continuarmos a fornecer o máximo de informação à população.
“O vírus não se transmite pelo contacto social do dia-a-dia, por se dar um beijo ou um aperto de mão, por compartilhar uma refeição…”
O que é que podemos fazer mais nesse sentido? Porque informação não tem faltado.
Sim, é uma realidade. Mas, essa informação, que existia há alguns anos, através de campanhas nos media, está hoje muito mais atenuada, sobretudo no que diz respeito à discriminação. É precisar falar sobre comportamentos de risco, mas também alertar que as pessoas com VIH não estão ligadas a nenhum grupo social específico, mais ou menos marginal. Na nossa consulta, temos pessoas de todas as profissões, sexos, idades. O vírus não se transmite pelo contacto social do dia-a-dia, por se dar um beijo ou um aperto de mão, por compartilhar uma refeição… É esse tipo de informações que deveríamos dar à população em geral.
Quantas pessoas temos em Portugal com VIH?
Em Portugal, foram diagnosticados 800 novos casos de VIH em 2022, apesar de se verificar uma tendência decrescente.
“Uma pessoa com VIH, no nosso caso do Hospital de Santarém, não tem que ir ao médico de família para ser referenciado. Para não perdermos tempo, temos o acesso à consulta desburocratizado”
Ainda lhe chegam muitos doentes novos à consulta?
Sim e vão continuar a chegar, o que faz com que a pool de doentes vá aumentando. Porque, felizmente, sendo uma doença crónica não damos altas e as mortes são muito raras e, quase sempre, não têm relação com o vírus. São pessoas que também continuam a ter características muito diferentes umas das outras, desde o jovem e muito jovem, quase sempre ligado a relações homossexuais, até às idades mais avançadas, 50, 60, 70 anos – estes relacionados mais com relações heterossexuais. Hoje em dia, é interessante ver que são raríssimos os doentes novos que nos chegam em que a forma de transmissão foi o consumo de drogas.
O recente estudo “Infeção por VIH – Do diagnóstico ao início da terapêutica antirretrovírica em Portugal”, realizado pela FMUP, indica que 58,4% dos doentes diagnosticados com VIH não levantaram a terapêutica antirretrovírica até aos 14 dias recomendados. O que é que podemos fazer para alterar esta realidade?
A nossa unidade fez parte deste estudo. Isto resulta de vários fatores. É importante começar a terapêutica o mais cedo possível, porque mais rapidamente se atinge uma carga viral indetetável, ou seja, sem vírus em circulação no sangue. Esta mensagem é extremamente importante: uma pessoa que faz terapêutica e que tem a carga viral indetetável não transmite o vírus. Quanto ao não levantarem a terapêutica até aos 14 dias recomendados, acontece porque, muitas vezes, chegam já tarde à nossa consulta. Mas, a partir do momento em que prescrevemos, o doente vai de imediato levantar gratuitamente à farmácia do hospital. Alguns doentes quando nos chegam já devem ter VIH há cerca de 10, 15 ou 20 anos. Nunca fizeram um teste e quando os assistimos já há uma grande deficiência do sistema imunitário, sendo a doença de difícil controlo. Ou seja, é preciso testar. Toda a gente deveria fazer o teste pelo menos uma vez na vida e sempre que considerar que teve qualquer comportamento que pode configurar algum risco.
Para terminarmos com este atraso na referenciação, estamos a desburocratizar a consulta. Uma pessoa com VIH, no nosso caso do Hospital de Santarém, não tem que ir ao médico de família para ser referenciado. Para não perdermos tempo, temos o acesso à consulta desburocratizado e qualquer pessoa pode ligar, mandar e-mail ou vir falar connosco pessoalmente. No Hospital de Santarém há uma unidade de doenças infeciosas com a porta sempre aberta.
“A PrEP previne, de alguma forma, o VIH, mas não previne outras doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis”
Qual a sua opinião sobre a PrEP (profilaxia pré-exposição)?
Também temos uma consulta de PrEP. Foi um avanço. A PrEP não é uma vacina, mas talvez seja aquilo que se aproxima mais. É uma medicação para as pessoas que consideram ter, frequentemente, comportamentos que os podem levar a contrair o vírus. É um comprimido que deve ser tomado diariamente e que diminui muito, no caso de haver um comportamento de risco, a probabilidade de contrair o vírus. Temos cada vez mais pessoas nessa consulta e é uma situação que vemos com bons olhos. Porém, é preciso ter noção, de que, apesar de tudo, mesmo quem faz PrEP deve usar preservativo. A PrEP previne, de alguma forma o VIH, mas não previne outras doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis.
Quais são os próximos passos a seguir?
Em termos locais, em Santarém, vamos manter a nossa unidade aberta, quer para iniciativas de divulgação quer para receber as pessoas infetadas que nos cheguem. A nível nacional, e também mundial, o objetivo da ONU-SIDA é a redução franca dos casos de transmissão até 2030, porque vai ser difícil ter-se uma vacina nos próximos tempos. As pessoas devem estar cientes dos riscos que poderão ocorrer em determinadas situações. Hoje, há três formas de transmissão que se destacam: relações sexuais desprotegidas, sangue contaminado ou grávida infetada que pode transmitir o vírus ao bebé – felizmente, esses casos são praticamente nulos em Portugal. É preciso alertar para a importância de se usar sempre o preservativo, que protege a 100% e se se considerar que se teve algum comportamento de risco, fazer o teste. Testar é sempre importante.
SM
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