Segundo o CENSOS 2021, Portugal tem pouco mais de 10 milhões de habitantes, sendo que os idosos com mais de 65 anos correspondem a 23,4% da população. No mesmo documento, ficamos a saber que o índice de envelhecimento é de 182,1 (por cada 100 jovens), associado a uma taxa de crescimento negativo[1]. Estes indicadores conduzem a um facto inexorável: somos um país a envelhecer! A moldura demográfica anteriormente descrita está ainda mais presente nos hospitais portugueses: estas pessoas contribuíram com quase metade dos internamentos no país, se retirarmos aos internamentos os números de partos e de recém-nascidos[2]. Com o envelhecimento, a cavidade oral sofre alterações de vária ordem. Se adotarmos a definição da OMS de “saúde oral” (é um estado de ausência de dor na boca ou face, lesões tumorais ou outras na mucosa oral ou garganta, defeitos congénitos, doenças periodontais, cáries, perda de dentes ou outras situações que afetem a cavidade oral) [3] rapidamente chegamos à conclusão que uma percentagem importante dos idosos internados têm a sua saúde oral comprometida.
O equilíbrio entre saúde e doença oral foi explicado pela hipótese de eubiose-disbiose, que sugere que o oraloma pode mudar de um estado saudável para um estado de doença, com interações destrutivas entre hospedeiro e microrganismos patogénicos. Vários fatores podem concorrer para tal desequilíbrio: fatores clínicos como patologias sistémicas, problemas cognitivos que podem dificultar a comunicação e a execução dos cuidados à boca bem como problemas físicos que podem constituir barreiras à independência. A cavidade oral atua como o ponto principal para a interação da pessoa com o meio externo, através das suas principais funções: mastigação, paladar, fala e deglutição.[4],[5] A higiene da cavidade oral é considerada um cuidado importante para a manutenção do conforto e integridade da mucosa oral, além de intervir no controlo de doenças associados à boca.[6]
Na pessoa hospitalizada, e após 48 horas da admissão, estima-se que a flora oral seja colonizada por microrganismos com alto potencial de virulência, o que associado a uma inadequada ou não realizada higiene, resulta na formação de biofilme (placa) e decorrentes complicações, como por exemplo, dor e infeção[7]. Embora não existam microrganismos patogénicos específicos associados aos estadios iniciais da inflamação periodontal, a carga bacteriana e a quantidade de placa presente, além da sua maturidade, foram correlacionadas com a gravidade da doença.
Uma variedade de medidas de higiene oral têm sido defendidas para a remoção da placa dentária, sendo a escovagem com pasta de dentes o método de primeira linha e o mais recomendado. A evidência sustenta que técnicas como a escovagem convencional com dentifrício fluoretado e o uso de antissépticos orais, melhoram a inflamação gengival e reduzem os índices de placa, desde que a limpeza seja suficientemente completa e realizada em intervalos de tempo apropriados. Embora a frequência e a duração da escovagem dentária ainda não estejam totalmente esclarecidas, é consensual a recomendação de escovagem 2 vezes ao dia com pasta fluoretada, pelo tempo de 2 minutos. Assim, a higiene oral frequente é uma técnica importante para controlar a carga microbiana na dentição e na cavidade oral, para prevenir infeção oral e infeção sistémica[8].
Segundo uma revisão integrativa da bibliografia, os cuidados à boca, onde se insere a higiene oral, são subestimados nos internamentos hospitalares, existindo justificações para a sua não realização, nomeadamente, tempo insuficiente para a prestação destes cuidados, falta de material específico, falta de formação e falta de protocolos orientadores de boas práticas[9],[10]. Assim sendo, há muito trabalho a fazer, muitos cuidados à boca a prestar por parte de todos e para todos.
(Este artigo não visa populações de doentes internados em cuidados intensivos, sob ventilação mecânica invasiva e ventilação não-invasiva.)
[1] https://www.pordata.pt/Tema/Portugal/Popula%c3%a7%c3%a3o-1
[2] Ana Oliveira. Tese de Mestrado: Internamentos hospitalares da população com mais de 65 anos em Portugal – Análise Descritiva. UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA, Escola Nacional de Saúde Pública, 2016
[3] Organização Mundial da saúde. Oral Health, https://www.who.int/health-topics/oral-health#tab=tab_1
[4] Kane, S. F. (2017) The effects of oral health on systemic health. General Dentistry. November / December 2017, 30-34.
[5] Martin, K.; Johnston, L.; Archer, N. (2020). Oral conditions in the community patient: part 2—systemic complications of poor oral health. British Journal of Community Nursing November 2020 Vol 25, No 11
[6] MacNeil, B. A., & Sorenson, H. M. (2009). Oral hygiene for the ventiled patient. AARC Times Magazine, vol.15.
[7] Karen K., Giuliano, K. K.; Penoyer, D., Middleton, A. (2021). Oral Care as Prevention for Nonventilator Hospital-Acquired Pneumonia: A Four-Unit Cluster Randomized Study. American Journal of Nursing Vol. 121, No. 6
[8] Allan Radaic, Yvonne L. Kapila, The oralome and its dysbiosis: New insights into oral microbiome-host interactions, Computational and Structural Biotechnology Journal, Volume 19, 2021, Pages 1335-1360, ISSN 2001-0370, https://doi.org/10.1016/j.csbj.2021.02.010.
[9] Joana Capaz, Sonia Batista, Patricia Ribeiro. Cuidados à boca na pessoa idosa: que controvérsias – revisão integrativa da literatura. https://revistas.rcaap.pt/servir/article/view/24495/18170
[10] Munro, S.; Phillips, T.; Hasselbeck, R.; Lucatorto, M., A.; Hehr, A.; Sheila Ochylski, S. (2022). Implementing Oral Care as a Nursing Intervention to Reduce Hospital-Acquired Pneumonia Across the United States Department of Veterans Affairs Healthcare System. DOI: 10.1097/CIN.0000000000000808
Notícia relacionada
Má saúde oral diretamente relacionada com 23 doenças e cinco tipos de cancros