Qual a diferença entre cefaleia e enxaqueca?
Há mais de 150 tipos de cefaleias, entre elas a enxaqueca. Esta é caracterizada por episódios autolimitados de cefaleia, com duração de 4 a 72 horas, de intensidade moderada ou grave, habitualmente unilateral, podendo ser bilateral num terço dos doentes. Além da cefaleia, apresenta-se com uma panóplia de outros sinais e sintomas: náuseas (80%), vómitos (40-50%), fotofobia (60%), fonofobia (50%) e osmofobia (10%). Sinais disautonómicos são comuns. Por vezes a enxaqueca é muito frequente, podendo assumir critérios de enxaqueca crónica. Na criança, as crises podem ter menor duração, apresentar-se sem cefaleia ou esta ser fruste e manifestar-se pelos chamados equivalentes migranosos. Quando ocorre, a cefaleia é frequentemente holocraniana.
Qual a sua prevalência?
A enxaqueca atinge 16 a 20% dos portugueses – em cada cinco doentes, há quatro mulheres e um homem atingidos – e é extremamente incapacitante. Estima-se que a enxaqueca atinja cerca de 1,5 a 2 milhões de pessoas em Portugal.
Que impacto tem na qualidade de vida? E custos?
A enxaqueca tem um impacto muito elevado em diferentes áreas nomeadamente pessoal, social, profissional e económica, diminuindo muito a qualidade de vida do doente. De acordo com “The Global Burden of Disease study” a cefaleia é a segunda causa em termos de anos de vida perdidos com incapacidade, sendo a enxaqueca, por si só, a 3.ª causa entre as pessoas dos 15 aos 49 anos.
Num estudo realizado em Portugal em 2021, os gastos estimados eram de mil milhões de euros por ano com cefaleias, sendo, em relação à enxaqueca, quase 90% devido à perda de produtividade durante as crises.
Os custos diretos são gerados por ausência ao trabalho e presenteísmo, (a pessoa pode estar presente no espaço laboral, mas o rendimento é diminuto). Os custos indiretos estão relacionados com exames subsidiários, consultas, entre outros.
“A enxaqueca é onerosa para a sociedade, com custos totais estimados entre 18 e 27 mil milhões de euros na Europa e cerca de 20 mil milhões de dólares nos Estados Unidos, incluindo custos diretos e indiretos”
Qual o papel do médico de família no diagnóstico e controlo desta doença?
O médico de família deve fazer parte integrante desta rede ou cadeia multidisciplinar de cuidados: fazendo o diagnóstico e tratando o doente e, por outro, despistando sinais de alarme, resistência aos fármacos, abuso medicamentoso ou dor excruciante e referenciando o doente nestas situações. Após ter sido avaliado pelo neurologista/cefalólogo deve manter o doente, que lhe é remetido após algum tempo, ao seu cuidado e manter contacto com o médico especialista em caso de dúvidas.
A nível hospitalar, dever-se-ia apostar mais em consultas de cefaleias e enxaquecas?
Há várias consultas de cefaleias no País. No entanto, dentro do espetro, as consultas de cefaleias são bastante indiferenciadas na sua maioria. É importante que haja unidades de cefaleias com consultas diferenciadas associadas a técnicas em cefaleias (aplicadas em função da intensidade, agudização e/ou cronicidade) e que sejam multidisciplinares incluindo neurologistas, cefalólogos, psiquiatras, psicólogos, neurocirurgiões e enfermeiros dedicados, o que na verdade ainda não existe na maioria dos Centros.
Que tipo de tratamentos existem nessas consultas para a enxaqueca?
O tratamento específico mais transversal aos vários centros são os anticorpos monoclonais anti-CGRP (Peptídeo relacionado com o gene da calcitonina), também designados por mAbs e usados na enxaqueca frequente e na enxaqueca crónica. Estes fármacos eram, até agora, de fornecimento exclusivo no hospital, mas vão passar a ser fornecidos pela farmácia próxima do doente. Na prescrição de ambulatório temos também os gepants (recentes) e os triptanos, para além da medicação já usada anteriormente. A toxina botulínica é também administrada nestas consultas no caso de enxaqueca crónica, nevralgias, cefaleia em salvas e cefaleia numular. Em alguns casos mais resistentes é possível recorrer-se à neuroestimulação. A terapêutica deve ser selecionada pelo médico especialista que acompanha e conhece a situação do doente.
Além do apoio médico, o que se poderia fazer para combater o estigma da enxaqueca, que ainda é vista como uma simples dor de cabeça?
A Sociedade Portuguesa de Neurologia e a de Cefaleias têm promovido formações nesta área e sensibilização dos médicos de família. Dever-se-ia criar um programa nacional para apoio clínico aos doentes com cefaleias, com o objetivo de facilitar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento adequado, assim como o envolvimento das empresas e da Medicina do Trabalho na gestão dos doentes com cefaleias. Foi já proposto à Comissão Parlamentar da Saúde a inclusão do tema cefaleias no Programa Nacional de Literacia para a Saúde. No entanto, muito caminho há a percorrer, pois esta patologia continua a ser desconsiderada ou mesmo esquecida.
CG/MJG
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