O Congresso teve como temática central “As redes de cuidados na diabetes”. Que redes são essas?
Quando falamos em redes referimo-nos aos apoios que existem ou não para a pessoa com diabetes e a sua família. Não é apenas a pessoa com diabetes que precisa de ajuda, mas também os cuidadores, os professores, enfim, todos aqueles que têm de lidar com esta doença. Não é apenas a pessoa com diabetes que deve ser empoderada para conseguir ser corresponsável pela sua doença, sabendo como geri-la ao longo da vida. A pessoa com diabetes, se tiver a sua patologia controlada, é completamente autónoma; todavia trata-se de uma doença crónica e o apoio de quem está à sua volta é essencial. Veja-se o exemplo concreto das crianças e dos idosos, que obviamente precisam desta rede de cuidados, que envolve a escola, as ERPI, a família, etc.
E esse apoio existe?
Nem sempre. É essencial que haja uma sintonia entre aquilo que é exigido ao doente e aquilo que ele consegue ou não desempenhar sozinho. A gestão da diabetes nunca pode ser só feita pela pessoa sozinha. A diabetes é das poucas doenças em que o doente pode ser o seu próprio gestor, muito graças às novas tecnologias e aos avanços terapêuticos. Mas existem fatores externos que influenciam essa gestão. Apesar de haver um mecanismo mais ou menos automático dos passos a seguir, muitas vezes isso não é homogéneo, não há informação.
Existem também muitos mitos…
Sim. Eu tenho diabetes tipo 1 desde os 29 anos. Apesar de ser uma doença autoimune, ainda há quem acredite que tenho esta doença por causa da alimentação.
“… as pessoas podem ter apoio psicológico se o desejarem e, infelizmente, nem sempre são informadas acerca desse seu direito”
Na sua opinião, o que é que mais falha nesta rede de cuidados?
O passo seguinte ao diagnóstico ainda não é perfeito em Portugal. Por exemplo, as pessoas podem ter apoio psicológico se o desejarem e, infelizmente, nem sempre são informadas acerca desse seu direito. Além disso, as famílias, muitas vezes não são contempladas na gestão da doença. No caso da idade pediátrica, ainda existem falhas na integração na escola. Há alguns casos de sucesso, mas a maioria, são de insucesso, porque a escola não tem informação, não sabe lidar com este problema de saúde, não tem meios para assegurar o bem-estar da criança enquanto está na escola. Os pais ainda não se sentem totalmente seguros quando a criança ainda não é autónoma.
Na adolescência, como não há ainda muita informação de qualidade, enfrenta-se o problema do estigma por parte dos seus pares. Muitos jovens preferem esconder a doença. E uma das razões prende-se com o que já referi: ainda persiste uma ideia errada em relação à diabetes, nomeadamente a tipo 1. A pessoa com diabetes continua a ser vista como aquela que é sedentária, preguiçosa, que come muitos doces.
“Nos idosos, a situação é pior, porque existem muitas falhas, desde o apoio clínico ao domiciliário, porque faltam recursos humanos nas unidades de saúde”
E na idade adulta?
Nessa fase destaco a relação com as entidades patronais. Já se notam diferenças, felizmente, mas ainda há falhas no que diz respeito aos direitos laborais, por exemplo, na justificação de faltas ao trabalho para ir a consultas ou fazer exames. Na prática, nem os próprios doentes conhecem totalmente os seus direitos nem os empregadores, o que origina stress. E acresce sempre a penalização de que ainda somos alvo quando queremos ter um seguro de saúde, comprar casa… Nada disto faz sentido porque a diabetes, quando é bem gerida, permite que a pessoa seja autónoma, contrariamente a outras patologias.
Nos idosos, a situação é pior, porque existem muitas falhas, desde o apoio clínico ao domiciliário, porque faltam recursos humanos nas unidades de saúde. Uma pessoa idosa diagnosticada com diabetes, muitas vezes não é bem acompanhada. Os cuidadores informais precisam de formação também e de apoio nesse tratamento. E, pior, vemos muitos casos de idosos sozinhos, sem qualquer suporte familiar. Obviamente, isso contribui para o surgimento de várias complicações, como o pé diabético.
“Sendo já um caso de saúde pública, tem de ser tratado como tal, e tem de haver mecanismos que possam acompanhar os doentes, a família e todos aqueles que estão envolvidos…”
É assim urgente apostar na rede de cuidados…
Sem dúvida! Somos quase um milhão e meio de pessoas com diabetes em Portugal, cerca de 13% da população portuguesa, e a tendência infelizmente é para aumentar. Sendo já um caso de saúde pública, tem de ser tratado como tal, e tem de haver mecanismos que possam acompanhar os doentes, a família e todos aqueles que estão envolvidos, como a escola ou as ERPI.
Como Federação, também pensam apostar na prevenção?
Sim, na diabetes tipo 2, porque a tipo 1 é uma doença autoimune. A Federação surgiu há 23 anos, no entanto, só em 2016, com uma nova direção e com um panorama também já diferente na diabetes em Portugal, passámos a dar voz às pessoas que têm diabetes. Atualmente, somos 15 associações, incluindo da Madeira e Açores. Queremos ser a ponte entre as associações , além de trabalharmos muito estreitamente com o poder local. E temos obtido algumas vitórias, nomeadamente ao ter-se conseguido avançar com o acesso a bombas perfusoras de insulina no caso da diabetes tipo 1. Temos ainda algumas iniciativas como caminhadas em família ou o projeto Blue O com jovens atletas de alta competição, a fim de desmistificar a ideia de que um diabético não tem capacidade para a prática de exercício físico ou desporto. Estamos agora envolvidos também em dois grandes projetos de investigação. Não paramos!