O anúncio de que a validade das receitas médicas passariam dos atuais 6 meses para um ano caiu-me mal. Foi apresentado como uma vantagem, “para que o doente não fosse ao Médico só para passar receitas”. No imediato, é provável que muitos doentes tenham apreciado a medida. Ainda há Centros de Saúde em que se tem de ir de madrugada marcar vez, para se conseguir ver o Médico. Sempre se ganharão algumas horas de sono e as pernas agradecem escaparem à provação dos longos tempos de espera.

A mim, a manchete revolveu-me os fígados. Validam-se duma assentada duas práticas médicas que sabemos existirem, mas que devíamos contrariar. Aceitamos que o doente com hipertensão, dislipidemia, bronquite crónica, insuficiência renal, diabetes, insuficiência cardíaca ou com outras doenças crónicas pode ir ao Médico apenas para renovar receituário, sem que ele lhe ponha a mão, lhe coloque o estetoscópio no peito e ouça as suas queixas. Por outro lado, considera-se que se pode ser Médico de Família dum doente crónico com uma visita médica agendada uma vez por ano!

As medidas que se tomam no SNS têm de ser tomadas com muito cuidado, para que não transmitam mensagens subliminares, que acentuam os vícios que os políticos sérios sabem que temos de combater. O benefício imediato na cosmética das listas de espera das consultas de MGF banaliza a dificuldade cada vez maior do doente estar com o seu Médico. Não nos devemos conformar com isso, como se fosse uma inevitabilidade.

Está bem patente a carência de Médicos de MGF no ambulatório e de Internistas nos hospitais. É preciso contar as horas que têm disponíveis para cada instituição onde trabalham e não o seu número absoluto, como se todos estivessem a tempo inteiro. Muitos saltitam entre o hospital público, o hospital privado e os bancos de urgência. Não podem ser somados três vezes.

Tenho a certeza de que não terá sido um Médico a inventar estas receitas “Duracell” com validade de um ano. Deve ter sido um gestor que estará muito orgulhoso da sua descoberta para reduzir a metade o número de consultas do Médico de Família. Suponho que será da mesma escola daqueles que obrigam a consultas médicas de 10 minutos, convertendo-as em atos administrativos, sem tempo para nada. A consulta é um ato nobre do exercício da Medicina, que se é feita ao cronómetro ou demasiado espaçada no tempo, destrói a relação de confiança entre o Médico e o Doente e propicia os erros por omissão.