Segundo o Manual de Violência Interpessoal, da Direção-Geral da Saúde, violência doméstica define-se como a violência física, sexual e psicológica que ocorre numa relação íntima ou familiar, podendo traduzir-se em agressões físicas, abusos sexuais e/ou maus-tratos psicológicos.
Embora maioritariamente exercida sobre mulheres, atinge também, direta e/ou indiretamente, crianças, idosos e outras pessoas que se encontram em situações de maior vulnerabilidade, como as portadoras de deficiência, ou seja, qualquer pessoa pode ser vítima de violência doméstica.
Neste sentido, considero que o setor da saúde pode e deve desempenhar um papel essencial na prevenção, identificação e apoio às vítimas de violência doméstica, uma vez que, em algum momento da vida, a maioria entra em contacto com o Serviço Nacional de Saúde.
A principal questão, que muitas vezes coloca entraves a uma prestação de cuidados eficiente, prende-se com o facto de ser um crime público e, como tal, de denúncia obrigatória. Ou seja, como pode um Médico de Família conciliar a observância deste normativo e o dever de assegurar a confidencialidade e segredo inerente à sua prática e à relação terapêutica que tem com cada um dos seus utentes?
No contexto da violência doméstica, se a vítima não quiser apresentar queixa e pedir expressamente que nem o médico o faça, tem sido do entendimento consensual que o dever de segredo deve prevalecer sobre o dever de denuncia.
Contudo, e segundo o Departamento Jurídico da Ordem dos Médicos, abre-se exceção em todas as situações em que a intensidade ou a reiteração da conduta do agressor são evidentes e põem em causa, de forma grave, a saúde, a integridade física ou a própria vida da vítima, podendo o médico, ponderando a situação à luz dos princípios éticos da justiça e da benevolência, desvincular-se do segredo e efetuar a denúncia revelando unicamente o que for absolutamente necessário à defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses da vítima.
No caso de se tratar de uma denúncia feita em ambiente de consulta, por par te de terceiros, pertencentes ou não à família da vítima ou do agressor, o segredo médico prevalecerá.
Considero que enquanto Médicos de Família, devemos salvaguardar a saúde dos nossos utentes e de suas famílias, estando vigilantes a quaisquer sinais de suspeita, risco ou perigo que a potencial vítima demonstre ou verbalize e, simultaneamente, estando mais atentos ao perfil e comportamento do alegado agressor.
É também ser nosso dever promover a literacia em saúde, enfatizando que a violência doméstica é um crime público e, como tal, qualquer pessoa, enquanto indivíduo pertencente a uma comunidade, pode e deve efetuar a denúncia.
Julgo importante ressalvar, para além do apoio por parte da Ordem dos Médicos, o suporte dado pelas Equipas de Prevenção da Violência em Adultos na abordagem destas situações. Assim, e apesar de considerar que estamos no bom caminho, há que unir forças, otimizar recursos e potenciar cada vez mais a integração de cuidados e interdisciplinaridade na abordagem.