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#ClimbAngola ou a necessidade de mudar o rumo

Muito mais do que a visita de Estado do nosso primeiro-ministro, é este tipo de iniciativas nascidas das mãos de dois residentes acidentais não-lusófonos que me traz um sopro de esperança.

Tem sido um ano particularmente difícil para os angolanos. O seu país testemunha uma escalada de problemas que parece não ter fim: inflação galopante, miséria crescente, preços exorbitantes, desvalorização da moeda, desemprego em alta e lixo, muito lixo, por todo o lado. Ao mesmo tempo, cresce exponencialmente a vontade de sair do país.

Não conheço nenhum outro país tão parecido com Portugal como Angola, e talvez seja por isso que tantos angolanos elegem o nosso país como destino de férias ou para refazer a vida. E se ainda não nos visitaram ou se ainda não vivem cá, muitos têm o sonho de um dia conhecer, passar férias, estudar ou até mesmo viver em Portugal. Não é uma moda, muito menos o resultado de uma política de benefícios fiscais ou de vistos gold; é assim por razões histórico-culturais que resistem a todas as adversidades e obstáculos que enfrentam. Por exemplo, o preço do visto para Portugal – e pior do que tudo, o tratamento caótico que lhe é dado – fixado em euros, fazendo com que a sua conversão em kwanzas o torne mais caro a cada dia que passa devido à desvalorização cambial.

Tendo em conta as relações especiais entre os dois países, não seria mais justo e prático fixar um valor para o visto em kwanzas, algo que não alterasse todos os dias? Além disso, em termos processuais, a emissão de vistos e a resposta das autoridades portuguesas aos pedidos de agendamento estão tão viciadas e atrasadas que criaram um mercado paralelo de agendamentos. “Profissionais” que vendem lugares de agendamento a preços flutuantes, que chegam aos 300 euros. Imaginem este nível de eficiência e este tipo de solução serem tolerados nas embaixadas portuguesas de Washington ou de Pequim para atrair nómadas digitais dos Estados Unidos ou turistas da China para Portugal? Certamente que não aconteceria.

Se a visita de Luís Montenegro a Angola pretende realmente estreitar os laços entre os dois países, como é que essa ambição pode continuar a conviver com a limitação artificial das ligações aéreas entre Portugal e Angola, cujo protecionismo se encontra parado no século passado? Hoje em dia existem cinco companhias aéreas a voar entre Portugal e Estados Unidos e quatro entre Portugal e Marrocos, mas apenas duas entre Portugal e Angola… Porquê?! Não se trata aqui de questões comerciais nem de falta de interesse ou de rentabilidade da rota, mas sim de uma limitação jurídica acordada e imposta pelos dois Estados, sendo certo que os duopólios estatais em nada contribuem para o fortalecimento da mobilidade entre os dois países. Pelo contrário!

É nesse cenário de dificuldades que surge o festival #ClimbAngola, desenvolvido pelos maridos britânicos e americanos de duas diplomatas desses respetivos países destacadas em Luanda. Ambos apaixonados pela escalada, descobriram as falésias escarpadas da Serra da Leba, na província da Huíla, no sul de Angola, e é ali que vão organizar o primeiro Festival Internacional de Escalada de Angola marcado para a segunda quinzena de agosto. Os acessos são um dos temas… Infelizmente, o chamado "aeroporto internacional da Mukanka", que serve a cidade do Lubango, está longe de ser internacional e mesmo que quisesse não poderia sê-lo: não está certificado.

Muito mais do que a visita de Estado do nosso primeiro-ministro, é este tipo de iniciativas nascidas das mãos de dois residentes acidentais não-lusófonos que me traz um sopro de esperança provando que, mesmo nas situações mais adversas, é possível encontrar meios para "subir". E é uma metáfora para a atual situação de Angola: quando se chega ao fundo do poço, a única saída é subir. Mas, para isso acontecer, também é preciso parar de cavar.

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo

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