A 8 de julho de 1964, um moderno avião Super Constellation da TAP inaugurava a pista do novo aeroporto da Madeira. Esse momento marcante, presidido por Américo Tomás, representou o início de uma nova era para a ilha e quebrou com a sua dependência marítima para conexões com o mundo exterior através de navios como o Santa Maria, o Vera Cruz ou o Príncipe Perfeito. Os mais destemidos apanhavam os hidroaviões.

Com o novo aeroporto, essa realidade começou a mudar drasticamente, mas a sua construção não foi tarefa fácil. A localização foi escolhida após várias aterragens de teste em 1957 e o concurso público para a construção só foi lançado em 1961. Quando foi finalmente inaugurado, o aeroporto de Santa Catarina (como era na altura conhecido) possuía uma pista de apenas 1.600 metros que rapidamente se revelou insuficiente para os aviões cada vez maiores que foram sendo construídos — o que ficou tragicamente evidenciado no acidente de 1977, quando um Boeing 727-200 da TAP ultrapassou a pista, resultando na morte de 106 pessoas. Desde então, o aeroporto passou por várias expansões e melhorias.

Quando a tecnologia evolui, há sempre algo que fica para trás e outro tanto que se adapta, muda e se desenvolve. Assim foi com os barcos de passageiros entre a Madeira e o Continente, que terminaram em 1985. A atual pista do aeroporto é hoje visitada por mais de 40 companhias aéreas que voam para mais de 70 destinos e tem 2.781 metros, parte dos quais construídos sobre pilares naquilo que foi considerado um enorme desafio à engenharia civil. É certo que os barcos também evoluíram em velocidade, conforto e eficiência – e que o digam as ilhas Baleares e as três empresas marítimas que as ligam à península espanhola – e que poderiam ser utilizados por quem pretende viajar com o carro, por quem não gosta de aviões, por quem prefere viajar assim ou simplesmente por quem quer viver uma aventura marítima. Mas no país das caravelas, decidiu-se que o caminho era outro e que o tempo dos barcos ao passado pertencia.

Quanto é que se terá perdido com esta decisão e com esta nova dependência aérea que se criou com a política pública seguida?

Do lado das ligações de avião ao Continente, pouco mudou em 60 anos: para além de Lisboa, apenas o Porto obteve voos diretos. O resto do país continua à mesma distância da nossa ilha mais populosa e mais turística. Incompreensível! Se é verdade que neste lapso de tempo a Madeira ganhou voos para Riga, Reiquejavique, Katowice, Boston, Toronto e outros 70 destinos, também é verdade que continua sem estar ligada a outros aeroportos e aeródromos do Continente. Tudo tem de passar pelo “hub” sagrado da Portela, sendo que para várias regiões do nosso país a alternativa neste verão passará pelos voos diretos da Iberia para a Madeira, à partida de Sevilha, Santiago de Compostela ou Madrid. O que fazem realmente os nossos decisores políticos em matéria de conectividade e de continuidade territorial para chegarmos a este triste resultado? Até Marraquexe já tem voos diretos de Lisboa, Porto e Faro!

Comemorar este importante aniversário implica também imaginar e refletir sobre o que será a mobilidade dos próximos 60 anos e se ela passará realmente por Alcochete, como indicam os estudos da Comissão Técnica Independente que, do alto da sua dependência política, parece ter-se esquecido de algo muito importante para qualquer projeção futura: se o avião “matou” o barco na Madeira em apenas duas décadas, quem “matará” o avião e quanto tempo levará?

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo