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Confederação do Overtourism de Portugal… e da Venezuela

O turismo de massas e o seu excesso nas épocas de pico podem levar às reações mais absurdas por parte dos decisores, das autoridades e dos políticos.
Confederação do Overtourism de Portugal… e da Venezuela
Klearchos Kapoutsis

Na semana passada, Panos Kavallaris, vereador da câmara da famosa ilha grega de Santorini, publicou um anúncio de emergência na sua conta de Facebook dirigido à população: “Mais um dia difícil para a nossa cidade e ilha se avizinha com a chegada de 17 mil visitantes de navios de cruzeiro. Pedimos a vossa atenção: limitem os vossos movimentos tanto quanto possível.”

As reações da população não se fizeram esperar e foram de tal forma violentas que o vereador apagou a sua publicação. Eis o que o jornal grego Lifo escreveu sobre este episódio: “Mesmo assumindo que o pedido tenha sido feito com a melhor das intenções, é óbvio que a situação em Santorini está descontrolada.”

O turismo de massas e o seu excesso nas épocas de pico podem levar às reações mais absurdas por parte dos decisores, das autoridades e dos políticos. Se, por hipótese, fosse legalmente permitido decretar um lockdown baseado neste argumento, esta comunicação teria chegado sob a forma de despacho a ser implementado e cumprido pela população. Para os empreendedores do turismo – tantas vezes afastados numa sede e sem qualquer relação com o destino onde têm os seus hotéis, restaurantes ou atividades – um tal despacho não seria preocupante; o que se torna muito complicado para eles e, por vezes, impossível de gerir é o cancelamento de determinado percurso ou de visita por falta de bilhetes de acesso, de autorizações ou por se ter sido atingido o número máximo de visitantes. Mas é exatamente sobre esse tipo de controlo que o presidente da Câmara da ilha, Niko Zorzos, está a trabalhar. Sentindo que a “sua” ilha se está a afundar no próprio sucesso, Zorzos pretende introduzir um limite máximo de 8000 passageiros de cruzeiros por dia a partir de 2025.

A medida escolhida para 2024 – que foi a de reduzir o número de dias em que chegam os cruzeiros de 63 no ano passado para 48 este ano – revelou ser um verdadeiro fracasso. A pergunta que se impõe: com que objetivo é que os políticos pensam e constroem infraestruturas – portos, aeroportos e outras vias – para acolher um número “ilimitado” de turistas e passageiros? Na prática, esse investimento público criou vários problemas – desde o consumo de água, à escassez de habitação permanente aos danos irreparáveis ao ambiente e à rutura do tecido socioeconómico e cultural – que agora são resolvidos limitando artificialmente a capacidade dessas infraestruturas, ou seja, subaproveitando-as…

O que leva a uma nova pergunta: então investiu-se em grande para quê?! Será que algum político nestes destinos defende hoje a construção de um novo porto ou de um novo aeroporto para acolher mais turistas? Será que o defendia há 20 ou 30 anos?! No caso de Santorini, é o próprio autarca que afirma: “A paisagem de Santorini é única e não deveria ser mais prejudicada por novas infraestruturas.”

Este problema não se limita apenas a algumas ilhas gregas, mas afeta toda a região do Mediterrâneo e também, nas devidas proporções, grandes cidades como Amesterdão, Veneza ou Barcelona e até mesmo a Islândia, a Lapónia e a Antártida. Nalgumas cidades, a população já se manifesta contra os turistas disparando jatos de água com bisnagas ou colocando cocó nas caixas exteriores para as chaves de apartamentos turísticos.

E em Portugal? Da mesma forma como Biden recuou da sua candidatura para que o Partido Democrata tenha alguma hipótese de ganhar as próximas eleições, o turismo, como setor económico, só tem a perder ao manter dirigentes que usam o dinheiro dos seus associados para fazer e divulgar estudos “encomendados” e para desinformar a sociedade e os decisores. Enquanto tivermos um presidente da Confederação do Turismo de Portugal que lamenta termos perdido 1 milhão de turistas este ano por causa das limitações do atual aeroporto de Lisboa ou enquanto tivermos uma presidente da Associação da Hotelaria de Portugal a defender que taxas turísticas não são amigáveis e não se justifiquem se queremos ser atrativos, estamos a colocar Portugal institucionalmente cada vez mais próximo de se tornar numa Venezuela da Europa do que na sua Califórnia.

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo

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