Parecem birras de miúdos. "Fizeste queixinhas, já não te quero no meu grupo. Já não gosto de ti!" Dá a ideia de que reclamar não é um gesto legítimo, que é injusto e que apenas as pessoas mesquinhas o fazem. Na verdade, reclamar é um ato de cidadania, pois intervém, permite identificar problemas e possíveis melhorias, mas, acima de tudo, é a segunda oportunidade que a empresa tem para criar a tal experiência WOW que os marketeers tanto esforço fazem para vender através do storytelling que criam nas suas campanhas de marketing. E se não existissem reclamações? Os clientes simplesmente iriam-se embora sem dizer porquê, correto?

Infelizmente, tenho assistido de perto a situações de hipocrisia como esta. Num dia, assisto a um podcast, através do LinkedIn, em que a CEO de uma marca de estética de dimensão nacional refere que "é essencial ir às lojas ouvir in loco o que os seus clientes dizem acerca do atendimento na sua marca. De que reclamam? Assim, podemos estar alinhados com a expectativa do consumidor".

Noutro dia, ouço exatamente a mesma CEO, numa reunião com um membro da equipa do Portal da Queixa, referindo-se aos seus clientes que reclamam da marca, como "chatos" e "pessoas sem interesse para a empresa", porque, se não gostaram, que vão a outro lado. Acrescentou ainda que "a vossa plataforma não devia existir", porque "uma reclamação deve ser sempre efetuada nos canais privados da marca para não causar danos reputacionais". Yeah, right! Tal como os órgãos de comunicação social não deviam escrutinar a política e devíamos aproveitar e acabar com a capacidade de comentar nas redes sociais, permitindo apenas colocar um like, que já seria o suficiente!

Este não é um caso único, acreditem! Durante anos tenho ouvido o fascinante argumento de que "o número de reclamações publicadas representa apenas 0,8% do número de clientes que compraram e não reclamaram"... Óbvio que sim! Se fossem 50% ou mais, estaríamos perante uma crise de reputação enorme. Logicamente que a percentagem dos clientes que reclamam publicamente, representa apenas uma amostra do volume que marca recebe através dos seus canais internos. Contudo, essa comunicação pública tem um impacto na reputação da marca, a multiplicar por 1000. Porque enquanto esta é privada, a satisfação do cliente fica apenas no conhecimento da marca e do próprio, ao invés de quando é pública, que será conhecida por milhares de outros consumidores, estes tomarão as suas decisões de compra com base no desfecho do nível de satisfação partilhado pelos clientes que reclamaram, ou seja, estamos perante um ganho de reputação e influência gigante. Posto isto, devem ser ignorados os 0,8% dos clientes que reclamam publicamente?

Se para a marca, as más experiências representam apenas 1% do seu volume de negócios, para os clientes que reclamam essa má experiência, representa 100% da sua perceção do valor da marca. Dá que pensar como a perceção de valor muda drasticamente conforme o lado em que nos posicionamos.

O que é preciso entender é que uma reclamação não é um ataque, é uma oportunidade. É um convite para a marca ouvir, aprender e melhorar. Ignorar ou desdenhar as reclamações dos clientes não só é contraproducente, como revela uma falta de compromisso com a excelência. E é precisamente esse compromisso que diferencia as marcas bem-sucedidas daquelas que são apenas mais um nome no mercado. Temos inúmeros exemplos de marcas que, ao levarem a sério as reclamações dos seus clientes, transformaram-se e cresceram exponencialmente. Marcas que investiram na resolução dos problemas identificados pelos consumidores não só melhoraram a sua reputação, mas também aumentaram a fidelidade destes. Estes casos mostram que a transparência e a abertura ao feedback são estratégias vencedoras.

No entanto, mudar a mentalidade das empresas não é tarefa fácil. Enfrentamos desafios constantes ao tentar convencer gestores de que a crítica pública pode ser uma ferramenta poderosa de melhoria. A resistência e o medo de enfrentar falhas publicamente ainda são barreiras significativas que precisamos superar. Convido todos os gestores e CEOs a refletirem sobre as suas práticas e a adotarem uma postura mais aberta e proativa relativamente às reclamações que recebem publicamente. Que tal aproveitar essa segunda oportunidade para criar experiências realmente marcantes e transformadoras para os seus clientes? Afinal, é através do compromisso com a transparência que se constrói uma marca duradoura e respeitada.

O Portal da Queixa faz 15 anos e, quando decidi fundar esta plataforma com a Sónia Lage Lourenço – que, curiosamente, resultou de uma reclamação pela compra de um simples Bollycao para o nosso filho –, a nossa vida pessoal e profissional passou a girar em torno da experiência dos consumidores com as marcas e do impacto que a opinião destes têm na reputação das empresas. Por isso, sinto-me mais do que legitimado para ficar irritado quando vejo atitudes irresponsáveis de gestores de marcas que repudiam e ignoram os seus clientes publicamente, depois destes reclamarem porque a experiência não correspondeu à promessa inicial. Afinal, foi essa promessa que motivou o cliente a gastar o seu dinheiro naquela marca e não noutra.

Fundador do Portal da Queixa | CEO & Founder da Consumers Trust e embaixador da Comissão Europeia para os Direitos do Consumidor