A sala de imprensa sempre foi palco fundamental para o exercício da arte de Rúben Amorim. Através da palavra, o homem que recolocou o Sporting no topo do futebol português tornou os descrentes em crentes, usando uma famosa expressão de Jürgen Klopp. Se os momentos em que falava aos jornalistas foram, sempre, especialmente aguardados — chegaram a haver páginas nas redes sociais que contavam quantos minutos faltavam até à próxima conferência —, os últimos dias multiplicaram esse interesse.

Quando a “novela” Amorim, assim classificada pelo próprio, explodiu, logo o pós-jogo frente ao Nacional ganhou contornos de cimeira cujas palavras ecoariam de Lisboa até Manchester. A partir daí, a confirmação da saída não tirou os focos da sala de imprensa, que, depois do embate contra o Estrela, foi o local onde Rúben explicou a sua versão do sucedido, com o já célebre “agora ou nunca”.

Assim, o dia -1 do Sporting-Manchester City (terça-feira, 20h, Sport TV5) voltou a fazer do auditório Artur Agostinho um espaço que reúne quase tanto interesse como o relvado de Alvalade. Na penúltima conferência de imprensa de antevisão de Rúben Amorim como líder do clube que o tem como técnico português com maior percentagem de vitórias, o ex-futebolista enfrentou perguntas em português, mas também em inglês, vindas de jornalistas que, alguns, estão há uma semana em Lisboa.

“Amanhã serei treinador do Sporting e apenas do Sporting. A partir de dia 11 serei treinador do Manchester United”, disse Rúben Amorim, numa ideia com várias derivações: “Agora é pensar no jogo do City, teremos tempo para falar sobre o futuro”; “O meu foco é o Sporting”; “O foco está em ganhar o jogo pelo Sporting”. No entanto, o desejo mostrado em falar do duelo da Liga dos Campeões esbarrou nas questões que iam surgindo, levando a um baile entre a análise à equipa de Pep Guardiola e respostas sobre o assunto do momento.

Um dos jornalistas ingleses presente na sala confrontou o técnico com a ideia de, na despedida de Amorim de Alvalade, haver um dérbi de Manchester, com o futuro técnico do United a defrontar o City. Meio rejeitando a ideia, Rúben lá admitiu que muitos olhos na cidade do norte de Inglaterra estarão colocados em si: “Tenho noção que vou ser avaliado neste jogo. Sei que vão estar atentos a todos os pormenores do jogo, sobretudo ao resultado”, comentou.

Zed Jameson - PA Images/Getty

No afã da imprensa do país que dará as boas-vindas a Amorim a 11 de novembro por receber algo do protagonista, um jornalista inglês pediu, reiteradamente, ao técnico que respondesse em inglês. Como habitual nas provas europeias, havia tradução simultânea na sala, pelo que toda a conferência estava a ser em português.

“O United pediu-lhe para não falar em inglês?”, chegou a questionar o jornalista. “Não, não”, respondeu Amorim, que prosseguiu com uma reflexão sobre o tal impacto que a partida contra o City pode ter para os adeptos de Old Trafford: “Se o resultado for muito negativo, as expectativas vão baixar e eu não acho que esse seja um mau ponto de partida para começar no Manchester United. Se nós ganharmos, vão pensar que chegou o novo Alex Ferguson, o que é muito difícil de manter. O que me interessa é ganhar o jogo, ter uma boa despedida em Alvalade, ganhar em Braga e começar uma nova vida em Manchester”, garantiu o português.

Como o verbo é tão importante no Amorismo como a ação, o tema da barreira linguística foi, também, abordado. O sucessor de Ten Hag reconhece que a sua comunicação, numa fase inicial, será “mais simples”, mas acredita que em “três meses” ganhará outra fluência. Isto no contacto com os jornalistas, porque, na relação com os jogadores, pouco irá mudar, dado que já comunica com vários dos seus futebolistas — deu os exemplos de Hjulmand, Morita, Diomande ou Gyökeres — em inglês. Também a “ideia de jogo”, a “forma de trabalhar” e a “personalidades” manter-se-ão inalteradas.

Na última vez que Sporting e Manchester City se defrontaram em Alvalade, os leões perdiam por 4-0 ao intervalo. Ficaria 5-0, nuns oitavos de final da Liga dos Campeões 2021/22 que, na segunda mão, tiveram um nulo.

Rúben Amorim volta a encontrar um técnico que considera uma “inspiração”, um exemplo do qual “retira coisas”, tal como faz com Roberto De Zerbi, assume, ou como fez com Jorge Jesus, outro nome elencado na conferência de Alvalade.

Face ao embate de fevereiro de 2022, o português acha-se “melhor treinador”, mas há um problema: “Sinto que Guardiola também é melhor, portanto a distância mantém-se.” Individualmente, a lógica é semelhante, porque Amorim acha que tem “melhores jogadores”, mas que o City “também está mais completo”, sendo “mais difícil perceber o que fará”.

Como receita para conseguir um triunfo que praticamente garantiria a presença no play-off da competição, é realçada a importância de “manter a identidade” quando o Sporting tiver a posse de bola, mas a necessidade de “adaptar um bocadinho” a defender. E “não tem a ver com coragem”, explica Rúben, até porque, opina, “têm mais coragem os treinadores que se adaptam”. “Não há nenhum guarda-redes na liga portuguesa que consiga meter a bola a metade do espaço do Ederson. Só esse jogador muda a nossa dinâmica”, exemplifica.

Noutras alturas, as explicações de Rúben Amorim seriam o ponto alto da conferência. Mas o contexto é tudo, até porque o tom foi dado por quem falou antes do treinador.

Morten Hjulmand, o capitão, confessou que é “um desafio” ganhar o campeonato sem Amorim. “Queremos mostrar que já não precisamos dele”, atirou, sorridente, o dinamarquês.

Já em tom de pré-despedida, na penúltima conferência de imprensa no auditório Artur Agostinho, a enésima aposta do United para recuperar a glória perdida diz que ainda não teve “tempo” para “sentir saudades”, mas que esse sentimento tão português chegará, sentindo falta “do país, dos jogadores, do clube”.

“De consciência tranquila.” É assim que Rúben Amorim está antes da última vez em Alvalade. Sabe que será “especial”, mas só expressa um desejo para a despedida: “Perfeito, perfeito era ganhar.”